domingo, 8 de março de 2009

A MORTE DE JESUS

Este post, na verdade, é um somatório de outros que eu já havia publicado em outras versões do Leite de Pato. Resolvi reescrevê-lo (não tenho mais os antigos) depois de ler este link publicado no blog de Aluizio Amorim. Acho que fui até além do assunto. Sempre li muito sobre isso. Até hoje tenho uma certa obsessão com o tema crucificação. Bom, esta aí. Só não peço para vocês curtirem porque não é lá um texto para ser apreciado num domingão de sol...

*   *   *

1. Jesus foi executado por Roma. E só. A crucificação era a execução de uma sentença romana. Na cruz, uma placa, o titulus, dizia que Yeshua estava pendurado ali por ser dizer Rei dos Judeus. Era um crime de lesa-majestade. Quem indicava os administradores e reis locais era Tibério, imperador que como poucos se preocupou com sua realeza e suas prerrogativas. Você podia ser morto se te encontrassem defecando com um anel com uma efígie de Tibério.

2. "A nós não é lícito matar ninguém", teria dito Caifás a Pilatos. Isso quer dizer que os judeus não poderiam executar uma pessoa. A pena de morte seria uma prerrogativa romana. Falso. Os judeus podiam matar sim, por apedrejamento ou enforcamento - sobretudo por blasfêmia. O episódio da prostituta perdoada por Jesus - que depois diriam se tratar de Madalena, mas que não era ela - é um exemplo disso. Outro caso acontece ainda no Novo Testamento: Estevão é morto, diante da presença de Paulo. Ele é apedrejado pelas autoridades judias e, antes de morrer, afirma estar vendo Jesus sentado à direita de Deus. Logo, caso fosse condenado por blasfêmia, Jesus poderia ter sim sido apedrejado sem qualquer interferência de Pilatos ou de qualquer governador romano da época.

3. Os blasfemos não podiam ser enterrados em sepulcros normais. Havia um cemitério especial para todos aqueles que afrontassem YHWH. Jesus foi sepultado num cemitério pertencente a José de Arimatéia, segundo as tradições. Logo, não foi condenado por blasfêmia contra a religião que defendia nas sinagogas.

4. A região, na época, vivia de sedição em sedição. Os zelotas eram terroristas que matavam soldados romanos quase que diariamente. Não gostariam de ver um compatriota seu pendurado numa cruz depois de uma "conspiração" do Sanhedrin (Sinédrio). Judeus entregando judeus para a morte era inadmissível. Certamente, eles teriam tomado providências caso os escribas, os anciãos e tutti quanti resolvessem entregar Jesus de mão beijada para a autoridade romana.

5. Jesus reunia 5 mil pessoas ao seu redor. Um potencial revolucionário explosivo com o seu Reino que não era deste mundo. Pros romanos, um reino deste ou de outro mundo não fazia a menor diferença... É cruz!

6. Um cidadão romano não era crucificado. A crucificação era pena para escravos e estrangeiros. Pedro e Paulo foram envolvidos na mesma sentença. Paulo, cidadão de Roma, foi decapitado, morte rápida. Pedro morreu na cruz de cabeça pra baixo.

7. A morte na cruz era terrível. Amarrado, o sujeito podia ficar lá, pendurado, por três dias ou mais. Pregado, umas nove horas. Existem teorias que dizem que Jesus resistiu ao suplício da cruz e foi viver na Índia. Impossível. Os romanos eram especialistas neste tipo de execução. Em épocas de expedições punitivas, poderiam crucificar mais de duas mil pessoas. Existia um pelotão especial para acompanhar as crucificações judiciais. Um deles, o exactor mortis, tinha que conferir a morte do sujeito na cruz para relatar ao governador. Existem poucos restos mortais de pessoas crucificadas. É simples a explicação: a crucificação era terrorismo de estado. O corpo ficava exposto para ser devorado por animais e aves de rapina. Só restavam, quando restavam, ossos.

8. No caso das expedições punitivas, os soldados não ficavam para conferir cruz a cruz. Então, quebravam as pernas dos condenados para que estes não pudessem fugir dos animais que os devorariam. Em alguns casos, quebrar as pernas apenas aceleraria a morte dos condenados. Não para asfixiá-los como sempre se pensou. Mas quebrar os ossos provoca sérias hemorragias internas e o infeliz morreria mais rápido.

9. A cruz era pequena. Tinha, no máximo, dois metros de altura. Alta fosse, só os corvos participariam do banquete. Os romanos adaptavam árvores e colocavam os condenados nas posições mais bizarras possíveis.

10. A cruz era composta, geralmente, de duas partes: infelix lignum, o poste sempre em pé e a infame stypes, o patíbulo carregado pelo coitado. Pesava uns 35 quilos. E, não raro, os infelizes já saíam pregados depois de levar as porradas.

Porra, Persega, beleza. Mas por que os judeus ficaram marcados como os assassinos de Jesus?

Podem existir várias explicações. Os evangelhos não foram escritos por testemunhas oculares. Melhor dizendo: os autores dos textos não ficavam anotando tudo aquilo que Jesus dizia, fazia ou o que faziam contra ele no ato. O evangelho de João, por exemplo, foi escrito mais de 100 anos depois da morte de Jesus. O de Marcos, se a memória não me falha, 40 anos. Nesta época, já era franca a perseguição dos escribas, dos sacerdotes e dos anciãos aos cristãos, considerados uma seita dissidente do judaísmo na época - o que de fato era. Os julgamentos dos seguidores de Jesus pelo Sinédrio, creio eu, já deviam ser constantes. A animosidade aumentava. Tanto de um lado quanto de outro. Vendo isso, o redator dos textos deveria imaginar que isso já acontecia na época em que Jesus estava vivo. Logo, nada mais natural do que concluir que os judeus de décadas passadas estariam envolvidos na morte do rabi.

Há também quem diga que os evangelhos não poderiam atribuir a culpa total aos romanos. Ora, para Roma foram muitos cristãos e não cairia bem culpar os romanos pela morte de Jesus. O papel de Pilatos nos evangelhos é o de um homem que não vê culpa alguma no acusado, mas que mesmo assim manda crucificá-lo por pressões dos judeus. Ora, Pilatos era violento, corrupto e nutria tanto desprezo pelos judeus que mandaria executar na hora os acusadores de Jesus quando eles lembram a ele o que deve fazer perante Roma. Ao assumir o seu posto, sua primeira providência foi afrontar os judeus colocando efígies de César por toda a Jerusalém. Era antissemita. Diz-se que Tibério desejava exterminar os judeus e que a tarefa caberia muito bem a Pilatos. Ele não era flor que se cheirasse e existem fontes não-cristãs que provam isso.

Mas, de todo modo, não acredito na culpa dos judeus na morte de Jesus. Milagreiros, messiânicos, detentores da verdade divina, apareciam aos borbotões na Palestina. Jesus foi apenas mais um, mas sua morte foi extremamente violenta. Quando um líder morria, seu movimento se esvaziava. Com Jesus ocorreu justamente o contrário. Sua morte na cruz não intimidou seus seguidores.

Haim Cohn, ex-membro da Suprema Corte de Israel, em seu livro "O julgamento e a morte de Jesus" (Ed. Imago) esmiúça todos os personagens deste drama que, mais do que qualquer outro, influiu nos destinos da Humanidade. Em seu momento mais controverso, ele afirma que a reunião no Sinédrio tinha apenas um objetivo: fazer com que Jesus abdicasse de suas pretensões messiânicas que, fatalmente, o levariam ao Gólgota - sobretudo depois de sua revolta contra os vendilhões do templo, perturbando a paz pública na ocasião em que Jerusalém estava repleta de gente oriunda de toda a Palestina por causa da Páscoa. Quando o sumo-sacerdote rasga suas vestes no Sinédrio, afirma Cohn, está longe de condenar Jesus por blasfêmia. Este gesto significava que todos os seus esforços para fazer com que Jesus desistisse de seus intentos estavam terminados e a reunião encerrada.

Repito: os judeus não mataram Jesus. Roma o assassinou. Por motivos políticos. Mas o sangue do rabi da Galileia (ah, este acordo ortográfico!!!) caiu sobre suas cabeças. Injustamente.