quinta-feira, 10 de abril de 2008

SANTIAGO (BALADA INGÊNUA)

I
Esta noite passou Santiago
seu caminho de luz no céu.
Comentam os meninos brincando
como a água de um álveo sereno.

Aonde vai o peregrino celeste
pela clara infinita vereda?
Vai à aurora que brilha fundo
em cavalo branco como o gelo.

Meninos pequenos, cantai no prado,
perfurando com risos o vento!

Diz um homem que viu Santiago
em tropel com duzentos guerreiros;
iam todos cobertos de luzes,
com grinaldas de verdes luzeiros,
e o cavalo montado por Santiago
era um astro de brilhos intensos.

Diz o homem que conta a história
que na noite adormecida se ouvira
tremular prateado de asas
que em suas ondas levou o silêncio.

Por que foi que o rio parou?
Eram anjos os cavalheiros.

(...)

- Avozinha, qual é o caminho,
avozinha, uma vez que não o vejo?

- Olha bem e verás uma faixa
de polivilho farinhoso e espesso,
uma mancha que parece de prata
ou de nácar. Tu a vês?

- Vejo-a.

- Avozinha. Aonde está Santiago?
- Por ali marcha com seu cortejo,
a cabeça cheia de plumagens
e de pérolas mui finas o corpo,
com a lua rendida a seus pés,
com o sol escondido no peito.

(...)

II
Uma velha que vive muito pobre
na parte mais alta do arraial,
que possui uma roca imprestável,
uma virgem e dois gatos negros,
enquanto tece a grosseira meia
com seus secos e trêmulos dedos,
rodeada de boas comadres
e de sujos guris travessos,
na paz da noite tranqüila,
com as serras perdidas no negrume,
vai cantando com ritmos tardios
a visão que ela teve em seus tempos.

Ela viu numa noite distante
como esta, sem ruídos nem ventos,
o apóstolo Santiago em pessoa,
peregrino na terra do céu.

- E comadre, como ia vestido?
- perguntam-lhe duas vozes ao mesmo tempo.

- Com bordão de esmeraldas e pérolas
e uma túnica de veludo.

Quando passou pela porta,
minhas pombas as asas abriram,
e meu cachorro, que estava adormecido,
foi atrás dele, suas pisadas lambendo.

Era doce o Apóstolo divino,
mais ainda que o luar de janeiro.
A seus passos deixou pela senda
um olor de açucena e de incenso.

- E comadre, não lhe disse nada?
- perguntam-lhe duas vozes ao mesmo tempo.

- Ao passar me olhou sorridente
e uma estrela deixou-me aqui dentro.

- Onde tens guardada essa estrela?
- pergunta-lhe um guri travesso.

- Apagou-se - disseram-lhe outros -
como obra de encantamento?

- Não, meus filhos, a estrela brilha,
e a trago cravada na alma.

- Continue, continue, velha comadre.
Onde ia o glorioso viajor?

- Perdeu-se por aquelas montanhas
com minhas brancas pombas e o cachorro.
Mas cheia deixou-me a casa
de roseiras e jasmineiros,
e as uvas verdes da parreira
amadureceram, e meu copo cheio
encontrei na manhã seguinte.
Tudo obra do Apóstolo bom.

(...)

Noite clara, finais de julho!
Santiago passou pelo céu!

A tristeza que levo dentro d'alma,
pelo branco caminho a deixo,
para ver se a encontram os meninos
e dentro d'água a afundem,
para ver se na noite estrelada
para muito longe a levem os ventos.

Federico García Lorca
Livro de poemas