quinta-feira, 9 de abril de 2009

HISTÓRIA DAS RUAS DO RIO, de Brasil Gerson - 2

É uma coisa curiosa: não me lembro mais como era a paisagem dos locais por onde hoje se estendem a Linha Amarela e a Linha Vermelha. Nem se eu me esforçar muito. Não consigo mais imaginar o Rio sem essas duas vias. A única coisa que eu queria ver derrubado é aquele monstrengo do Elevado da Perimetral, que enfeia a cidade até dizer chega. E, creio eu, sem a demolição desse bicho não há revitalização do porto.

Mas por que digo isso? Porque lendo "História das ruas do Rio" o autor fala de certos locais, de certas ruas, avenidas e paisagem que a gente não consegue sequer imaginar como seriam. Um exemplo: a área onde hoje está o porto do Rio de Janeiro chegou a ser em tempos idos uma área nobre. A praia do Caju foi o primeiro balneário chique da cidade, por causa dos banhos medicinais de Dom João VI. A água do mar chegava até São Cristóvão. Aliás, custa-me imaginar que os terraços do Passeio Público eram banhados pelas águas da Baía de Guanabara - ainda bem que encontrei a foto que ilustra este texto. O exercício de imaginação continua: como seria a cidade se houvessem nela três balneários: o da Zona Sul, o da Barra ou Zona Oeste e o da Zona Norte, área que foi tomada pela Marinha, pelo porto e pelos sucessivos aterros (acho que o Rio é a cidade mais aterrada do mundo).

Nós, cariocas, tínhamos hábitos estranhos. E coube aos franceses mudar, mesmo sem querer, alguns deles e nos dar um pouco daquilo que é conhecido como civilização. Exemplo: Debret chegou a ver as famílias passeando pelas ruas do Rio como hoje caminham muçulmanos: o marido à frente, os filhos em ordem decrescente e a mãe por último, geralmente embuchada de novo. No final desta fila indiana, a criadagem. Os franceses não estavam nem aí para isso: andavam de braços dados com suas esposas, as filhas iam na frente e isso, com certeza, devia causar espanto. Este hábito dos franceses fez com que uma face perversa da sociedade carioca fosse mudando:

"Graças a eles, principalmente, foi que o hábito de não dar educação às moças, para que não se dedicassem à correspondência amorosa, logo declinou."

O senso de humor carioca é fato. A gaiatice é uma marca registrada da cidade e nisso podemos colocar também o humor negro. não sei se houve caso similar no mundo, mas em que outro lugar alguém tomaria um chope gelado perto de um necrotério? Sim, no século XIX havia no Largo da Carioca o Bar do Necrotério ou o Chope dos Mortos, um bar que ficava perto do necrotério do então Hospital da Ordem Terceira da Penitência onde outros se divertiam enquanto passavam caixões, gente gemendo e coisa e tal.

Nos nossos tempos de colônia, judeus e cuganos eram proibidos de morar "dentro dos limites de cidade". Com o tempo, essa proibição caiu em desuso e os judeus começaram se estabeleceram na Rua dos Ourives e os ciganos, os que enriqueceram vendendo escravos, preferiram a Rua do Piolho. Isso mesmo: Piolho, que hoje é o Largo da Carioca.

Estou com preguiça - ia falar com um pouco de preguiça, mas preguiça ou se tem ou não se tem. Depois eu falo mais.

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Sim, esta imagem é do Passeio Público antes dos aterros e o pavilhão que pode ser observado dentro de seu muro, à direita, não existe mais. O outro pavilhão - também já demolido - está lá no finalzinho da foto, perto de algumas palmeiras.