Foi o segundo livro de Self que li. O primeiro, "Como vivem os mortos", uma pérola do humor negro. O Além, para onde todos vamos depois de nosso passamento, fica num subúrbio de Londres e, para aqueles que rejeitam a ideia de que tenham morrido, há um programa de 12 passos, tipo Alcoólicos Anônimos, para que você aceite a sua desencarnação.
Mas voltemos ao livro atual. O que me incomodou neste como no anterior é o excesso de coloquialismo utilizado por Self. Me parece falta de recurso. Até porque se eu quiser uma conversa coloquial eu vou para um boteco. Não preciso abrir um livro. Que fique claro, porém, que não me refiro à fala dos personagens, sobretudo Dave, um taxista pançudo, desses que usam calça que o faz pagar cofrinho, e meio careca (uma clara visão do inferno) e alguns outros personagens. Mas este, confesso, é o único ponto negativo.
Dito isto, vou aos pontos positivos: é uma história altamente criativa. Ela é contada em dois planos: o primeiro, nossa época atual que mostra o motorista de táxi Dave, seu casamento sendo desfeito e a proibição determinada pela Justiça de que veja seu filho. A coisa flui de tal maneira que Dave entra em profunda depressão e escreve um livro, onde, grosso modo, defende que os motoristas de táxi governem o mundo. Depois de um cataclismo ambiental, que transforma a Inglaterra num arquipélago - e aqui entra o segundo plano -, seu livro é descoberto e Dave se torna um deus. Suas corridas, seu conhecimento (os candidatos a taxistas em Londres precisam conhecer a cidade toda e isso é chamado de Conhecimento), se tornam leis máximas com direito a uma fiscalização rigorosa feita por uma espécie de Inquisição do futuro. Futuro este que traz uma Inglaterra, ou melhor Ing nada glamourosa e sim fétida e imunda como nos piores pesadelos medievais.
Outro ponto interessante é a brincadeira com as palavras proposta por Self. Algumas ganham outros sentidos e, não fosse a presença de um pequeno "dicionário de bibici" (o inglês culto), não seria uma tarefa simples descobrir o que significam. Alguns exemplos: mocreia é a mulher que passou da idade de conceber; MadeinChina é a origem do mundo, o Gênesis; motorista passa a ser sacerdote; voador, um herege. E por aí vai. É uma pequena aventura semiótica que funde a cabeça no início, mas que não deixa de ser divertida.