E vamos com a quinta parte desta série sobre as heresias medievais. Aqui ficamos sabendo que a violência do combate às heresias não começou na cúpula da Igreja e sim com o povo, tão adorado pelas elites atuais. A heresia valdense também dá as caras.
Qual a base da violência no combate às heresias?
A base era popular. A própria existência da heresia é, sem dúvida, sinal demonstrativo da vida religiosa dos tempos medievais. Por isso, não se deve estranhar a violência gerada no combate a ela. Nem sempre o extermínio dos heréticos cátaros era executado por funcionários que deviam justiçá-los, mas por iniciativa do populacho fanatizado que não tolerava a heresia “filha de Satã”.
Qual a atitude da Igreja perante a heresia?
Primariamente, a de tentar converter os heréticos à fé católica, só adotando uma atitude agressiva e o uso da violência quando nada se conseguia no primeiro caso. A violência popular era condenada pela Igreja. Vemos estas tendências nas palavras de São Bernardo, escritas ao papa após o massacre de Colônia:
O povo de Colônia passou da medida. Se aprovamos o seu zelo, não aprovamos, de modo algum, o que fez, pois a fé é obra de persuasão e não podemos impô-la.
No que a Igreja se baseava para usar o poder temporal de perseguir, julgar e exterminar heresias?
Baseava-se na teoria das “duas espadas” do Papa Gelasius, que afirmava que Deus havia dado o poder temporal e espiritual ao papa que, por sua vez, entregara o poder temporal aos reis, monarcas e príncipes para proteger a fé. Em última instância, a heresia que visava atacar a cátedra de São Pedro, o papa, era perigosa não só do ponto de vista religioso dogmático, mas também sob o aspecto da unidade política do mundo cristão.
Quem fundou a heresia valdense?
Foi o rico comerciante Pedro Valdo ou Valdes de Lyons que, segundo o testemunho do Anônimo de Laon, ficou profundamente abalado pela leitura das Escrituras Sagradas, por volta de 1173. Ele traduziu o Evangelho para o provençal e rompeu todos os vínculos com o mundo, confiando seus bens à esposa e na carestia de 1176 doou o restante de seu património aos pobres. Passaram a segui-lo homens e mulheres que praticavam a instrução do Evangelho, vagando pelas estradas dois a dois, em pobreza apostólica, vestidos com simples buréis, pregando a penitência. O movimento difundiu-se rápida e extensamente, alcançando os Humilhados da Lombardia, uma confraria de artesãos (tecelões) que se associaram por objetivos econômicos e religiosos na primeira metade do século XII. Grande parte deles ligou-se aos valdenses, com os quais foram excomungados pelo Papa Lúcio III.
A seita valdense conseguiu se manter unida?
Não. Os valdenses lombardos queriam ter, malgrado a oposição de Valdo, a eleição e a ordenação de seus próprios pastores e conservar as suas próprias associações de artesãos, isto é, a prática do trabalho manual remunerado. Assim, em 1210, houve uma ruptura que continuou ainda depois da morte do fundador, em 1217. Enquanto os valdenses da França, confinados em grande parte no Languedoc, na Provença e no Delfinado, mantinham, apesar de suas doutrinas heréticas, certo liame com a Igreja Católica e participavam de sua liturgia, os valdenses italianos passaram à mais agressiva oposição, negando a validade dos sacramentos administrados por sacerdotes católicos e instituindo um serviço litúrgico próprio. Este ramo lombardo desdobrou-se numa grande atividade e, valendo-se de uma propaganda clandestina ativa, conseguiu difundir-se não só no Piemonte e na Sabóia, mas também na Alemanha Meridional e Oriental, na Boémia, na Morávia, na Polónia, na Hungria, na Itália Meridional, conquistando muitos adeptos. A Inquisição teve muito trabalho com eles até a época do Renascimento. Muitos valdenses foram levados à fogueira e outros reconquistados pela persuasão pacífica.
O que declarava a heresia valdense?
Declarava que a Igreja fora pura e incorrupta até a época de Constantino, quando o Papa Silvestre ganhou a primeira possessão temporal para o Papado, começando, assim, o sistema de uma Igreja rica, poderosa e temporal, tendo Roma como sua capital.
O inquisidor Sacconi dividia-os em duas classes: os do Norte dos Alpes e os da Lombardia.
A primeira classe assegurava, entre outras coisas, que:
1) os juramentos são proibidos pelo Evangelho;
2) a pena capital não é permitida ao poder civil;
3) todo leigo pode consagrar o sacramento do altar;
4) a Igreja Romana não é a Igreja de Cristo.
A seita lombarda assegurava que nenhum pecado mortal poderia consagrar o sacramento, e que a Igreja de Roma era a mulher marcada do Apocalipse, cujos preceitos não deveriam ser obedecidos, especialmente os apontados como dias de jejum. Diferentemente dos cátaros, opunham-se ao ascetismo e não tinham um sacerdócio oficial; mas, ao mesmo tempo, aproximavam-se deles por serem também contrários aos juramentos e à pena capital.
Os valdenses, apesar das perseguições permanentes que sofreram durante toda a Idade Média, conseguiram, como se sabe, sobreviver até os nossos tempos.
Quais as características dos pseudo-apóstolos ou apóstolos de Cristo?
Um dos traços da doutrina dessa heresia manifestou-se no ataque aberto e direto ao Papado, exigindo a limitação de seu poder. Os apóstolos de Cristo também afirmavam que após a época do Papa Silvestre a Igreja abandonara o gênero de vida dos primeiros santos, exceto o Frade Pedro de Morrone, fundador dos celestinos, que mais tarde, a 5 de julho de 1294, tornou-se o Papa Celestino V. Desde o início usavam cabelos longos, uma túnica branca com uma pelerine da mesma cor presa no pescoço. Seus adeptos deviam percorrer o mundo descalços ou de sandálias, mendigando como os pobres, vivendo de esmolas e pregando ao povo:
Fazei penitência, pois o reino dos céus está próximo (Mt. 3.2).