Não me lembro quanto tempo faz. Sei que trabalhava em Ipanema e voltava para a redação quando fui abordado por um sujeito da minha altura, com uma cabeça grande e entradas que prenunciavam a devastação de seu couro cabeludo para breve. Camisa branca por dentro da calça jeans e tênis. Comoveu-me a sua história.
- Nasci em Pernambuco.
Era ilustrador e havia recebido uma oferta para trabalhar num jornal, mas o negócio dera para trás e ele estava ali, perdido, naquela Ipanema abafada de dezembro sem um tostão. E me perguntou se eu não tinha um trocado para ele fazer pelo menos um lanche no McDonald’s. Meti a mão na carteira e dei-lhe dinheiro para um bom almoço. Agradeceu-me e segui o meu caminho. Ele foi na direção oposta.
Os anos passam e novamente não sei quanto tempo faz. Apesar de ter carro, sempre ia trabalhar de ônibus, lendo um livro, sem ter que me preocupar com o trânsito ou vagas – há muito já escassas – para estacionar em Ipanema. O ônibus me deixava muito perto da redação, bastando que dele descesse e atravessasse a Praça General Osório para chegar ao prédio na Visconde de Pirajá, perto do supermercado Zona Sul.
Saí do trabalho em outro dezembro e esperava eu pelo ônibus, já com o livro na mão. Foi quando ouvi:
- Natal! Que saudade da minha terra!
A voz referia-se à camisa que eu usava, bordada com o símbolo dos 400 anos da aprazível cidade de Natal, onde estive há quase 10 anos. Quando vi, era o mesmo sujeito que me pedira uns trocados para o almoço na outra ocasião.
- Vem cá? Tu não é pernambucano?
- Não! Sou de Natal! Cheguei ontem no Rio. Tô procurando uma vaga de garçom.
- Mas você não era ilustrador? Não ia trabalhar num jornal?
O homem foi ficando sem graça. Queria uma grana para pegar o ônibus para a Tijuca e eu disse que nada feito. Ele foi embora e fiquei ali, percebendo que, anos atrás, eu havia caído num conto de Natal.