sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A PERDA

E lá se foi meu avô. Às seis da manhã, o dia querendo clarear. Há poucos meses, estava eu comemorando os seus 90 anos. Hoje, lamento sua morte. Me consola o fato de que estava sofrendo muito, num CTI, coma induzido, fazendo hemodiálise mesmo assim e combatendo uma infecção terrível.

Diziam os antigos que quando um homem morre, morre com ele uma biblioteca. O que me espantava em meu avô era o fato dele ser um homem de poucas letras, mas investir bastante na nossa educação, comprando livros, enciclopédias, revistas, tudo para que não nos faltasse nunca informação. Pediu, junto com alguns vizinhos, ao então governador Carlos Lacerda, a construção de uma escola normal (de formação de professores) e uma quadra de esportes. Quando o secretário de educação lhe perguntou se queriam ou  quadra ou a escola, meu avô respondeu no ato: “E quem disse que uma coisa não está ligada à outra”. A Penha ganhou a escola e a quadra.

Foi-se um homem que trabalhou até os 77 anos. Que, ao chegar ao Rio, vindo de Lorena, dormia no chão da padaria onde trabalhava. Que, pelos seus conhecimentos de processos, documentações e etc todos pensavam que era advogado. Foi-se o avô farto, que enchia a casa de frutas, biscoitos e doces pros netos. Foi-se o homem que colocava pela manhã o seu copo de alumínio no congelador e, à noite, na janta, bebia a sua cerveja bem gelada. Foi-se o tricolor que não viu o título do time das Laranjeiras – mas algo me diz que ele ficou sabendo. Foi-se um homem bem humorado, engraçado, mas altamente metódico, organizado ao extremo. O dono da casa da minha infância. O eterno presidente do Trinta de Maio (clube que ficava na sua rua e que servia para festas, partidas de futebol de salão e bailes de carnaval de outrora).

Foi-se o homem que nos botava nos ombros e cantava:

“Um tam, tutamé…”

Mas se há uma pessoa que pôde partir com a consciência tranquila, esta pessoa é o meu avô.

Missão cumprida.

Durma bem.


PS – Minha prima Renata me corrige: não era “Um tam, tutamé” e sim “An, tan, tutamé”.

A musiquinha completa era:

“An tan, tutamé, fin-fan, Aristares com vasores, ziguizá, caladuché, ani-ani, ani-bu, quem sai és tu, filho do tatu." ou "Na tan, tutamé, fin, fan, Aristides com bastides, ca, lá, do ché. Ele vai, ele vem, nunca trás o seu vintém, porque não tem! Anabu, anabu, quem sai és tu, do rabo do tatu."

(Lembro dele gesticulando durante a execução da música… Eita ferro!)