domingo, 18 de maio de 2008

AS DROGAS DE NOVO

Passeando pelo mundo encantado da web, me deparei com um texto de Guilherme Fiúza, a quem admiro. Mas neste texto, ele atravessou a rua para escorregar na casca de banana que viu no outro lado...

A partir de agora, as boates de São Paulo são obrigadas por lei a ter bebedouros. É para hidratar quem toma ecstasy.

É uma medida histórica. Finalmente o debate sobre drogas no Brasil entra no século 21. Pela primeira vez a sociedade formal não trata o usuário de entorpecentes como um extraterrestre.

Existem dois mundos - e falo do Rio de Janeiro. Quem via o usuário como ET não era a sociedade como um todo. Sobretudo era o povinho do subúrbio que até hoje, veja você, não gosta de ver um sujeito fumando crack ou a canabis embaixo de sua janela. A diferença é que até algum tempo atrás, o dono da janela poderia reclamar. E o sujeito ia embora, envergonhado. Agora, não. O dono da janela encara tudo não com naturalidade, mas com medo. Na Zona Sul, a área "progressista" da cidade, não conheci ninguém que tratasse um maconheiro (desculpe, mas o termo é este) como um extraterrestre. Pelo contrário.

Os juízes e promotores de todo o Brasil que ficam torrando dinheiro público para amordaçar grupinhos de jovens que querem a liberação da maconha deveriam, neste momento, olhar para São Paulo. Os adúlteros já não vão mais para o inferno. Quem sabe os usuários de drogas não conseguem também um habeas corpus dos guardiões da moral?

Fiúza joga pra galera. Os juízes e promotores apenas cumpriram a lei. Em São Paulo são os bebedouros e Fiúza ficará feliz quando distribuírem seringas e cachimbos nas boates, quero crer. Nada foi feito que atropelasse o Estado de Direito e a Constituição, Fiúza. Talvez você saiba que se você se sentir incomodado por alguma coisa, pode recorrer aos juízes. Creio que você se sentiria incomodado se um bando de sem-teto resolvesse invadir o seu prédio, não é? E o que você faria: aplaudiria a liberdade de expressão dos invasores ou tentaria tirá-los de lá com a ajuda das forças policiais, amparadas por uma medida da Justiça? Isso seria torrar dinheiro? Apologia é crime. E eu não vejo como a Marcha da Maconha (assim era o nome) não seria uma.

Maconha e ecstasy são proibidos porque podem fazer muito mal. O álcool pode fazer muito mal e não é proibido. São convenções. O problema é que o sujeito que toma uma taça de vinho (ou mais de uma) passa por elegante. O que fuma um baseado ou toma uma bala vai direto, perante a sociedade formal, para o hall dos depravados, dos delinqüentes, dos marginais.

Apesar de viver no Rio de Janeiro, parece mesmo que Fiúza vive em outro mundo. O sujeito que toma vinho, cerveja e uísque em qualquer festa que se vá é considerado um "bêbado chato", que fica cuspindo nos outros. Por outro lado, quem dá seus tapas e começa a falar um monte de bobagens é considerado um "pensador" que só fala coisas inteligentes. Caramba, será que existe um mundo paralelo? Em qualquer festinha mais ou menos da Zona Sul tem aquele grupinho que se afasta pra dar o seu tapinha. Não vi em nenhuma delas qualquer careta de desaprovação em relação a isso. Mesmo por parte de pessoas que não suportam o cheiro da erva do capiroto. Posso apostar que tem gente que usa e ainda se sente uma espécie de bastião da resistência. A quê? Sabe-se lá Deus o motivo!

Ainda hoje, a essa altura do campeonato, o “maconheiro” tem status de bandido. O “pinguço”, bem mais simpático, é a princípio só um inconveniente.

Fiúza meio que repete o parágrafo anterior. Mas foi o tempo, né, meu caro? O maconheiro é apenas usuário de uma droga ilícita. Já disse que o "pinguço" hoje em dia é considerado um chato. Bêbado engraçado agora só em piada. E mesmo assim não sei até quando a Patrulha do Politicamente Correto vai permitir que se contem anedotas sobre eles.

O efeito tropa de elite veio agravar esse banimento moral do usuário de drogas. O garoto que já não tinha a menor possibilidade de dialogar na sala de jantar ou na sala de aula sobre suas eventuais “viagens”, foi abafado de vez sob a acusação de que o gatilho da violência urbana poderia estar sendo puxado por ele.

Jovens e adolescentes, muitas vezes perdidos entre sensações incríveis e assustadoras, fragilizados e precisando de apoio, são intimados pelo chamamento virtuoso: sejam éticos e parem de financiar o crime. Como é simples e belo, o mundo dos bem-intencionados.

Sou bem-intencionado e não quero de modo algum o meu filho no mundo das drogas. Conversaria com ele sobre isso abertamente. E o aconselharia a largar imediatamente qualquer coisa desse tipo. Não acho bacana, não acho libertário e acho sim que o usuário é um dos responsáveis pelo fato de um moleque de 14 anos areditar que manda no morro porque tem um fuzil israelense, russo ou seja lá o que for na mão. Sou a favor da liberdade individual. O sujeito pode comer qualquer coisa, usar qualquer coisa. Até comer cocô de vaca se lhe aprouver. Tenho amigos que usam e nunca ouviram da minha boca um "apaga isso". E olha que eu teria liberdade pra deizer! Mas espero que o usuário, como um adulto, arque com o peso das suas escolhas. Mas não! Eles ficam melindradinhos. O tal efeito "tropa de elite" é esse: dizer que o usuário é sim um dos responsáveis pelo problema da violência. E é, porra! Não adianta tapar o sol com a peneira. Por que é que o sujeito que gosta de beber tem que ouvir sempre que ele é o principal responsável pelos acidentes nas estradas (mesmo que não beba nessa situação) e o sujeito que encara a manga-rosa não pode escutar o óbvio?

Essa pretensão totalitária de que o consumo de entorpecentes pode desaparecer num estalar de consciências, de que as drogas podem ser banidas das sociedades, e outros arroubos purificadores, deixam a séria dúvida sobre se a lição nazista foi realmente assimilada.

Bom, não creio que o consumo vá desaparecer. Nunca irá. A questão é: liberar vai diminuir o consumo? Com o crime não acaba, é certo. E ainda vamos ter que chamar o senhor Luiz Fernando da Costa, também conhecido como Fernandinho Beira-Mar de doutor.

Quem aí entre os nobres ouvintes deste recinto garante ter um filho que pode chegar em casa narrando uma experiência com drogas (boa ou ruim) sem ser, antes do diálogo, sumariamente condenado?

O meu tem apenas 6 anos. Vai ser ensinado a não usar. Mas caso aconteça vai poder contar comigo. Garanto. E aqui, logicamente, só posso falar por mim.

Há um muro de hipocrisia convidando jovens e adolescentes a ficarem do lado de lá, solitários e perdidos. A busca da virtude nunca foi tão viciada.

Acho que passa também pela perda de certos valores. Hoje em dia, Fiúza, os valores familiares são desprezados e considerados, nas suas palavras, como coisa de extraterrestre.

Os bebedouros de São Paulo não vieram estimular o consumo de ecstasy. Vieram apenas nos convidar a dar umas marteladas nesse muro.

Será? O pai de grandes amigos meus, infelizmente já falecido, dizia que "adivinhar é proibido".

PS (para acalmar os viciados no Fla-Flu da política): a nova lei foi proposta por uma vereadora do PPS e um do PT, e aprovada por um prefeito do DEM.

Bom, no dia em que este país tiver partidos políticos de verdade, talvez este PS faça alguma diferença.