É inferior ao seu clássico, "O cortiço", já ambientado no Rio de Janeiro. Aluísio quis escrever uma história anti-racista e anticlerical (nos moldes dos romances de Eça de Queiroz). Não se pode negar que não tenha conseguido: o racismo dos personagens permeia toda a obra e um dos principais vilões é um sacerdote católico: o Cônego Diogo. O problema de um romance, digamos, de tese é que, no afã de comprová-la não raro o autor parte para a criação de personagens superficiais.
Mesmo pertencendo ao Realismo, "O mulato" possui rescaldos do Romantismo, o que pode ser facilmente percebido na história de amor impossível entre os protagonistas Raimundo e Ana Rosa.
Aliás, estes rescaldos românticos, com seus elementos melodramáticos, facilitariam a sua adaptação para a TV, por exemplo.
Vejamos.
Raimundo, o herói da trama, é um sujeito atormentado por não saber das suas origens. Volta ao Maranhão, onde nasceu, vindo de Portugal, por causa disso. Em São Luís, que alguns nativos aclamavam como a Atenas brasileira (uma cidade, de fato próspera, com a economia baseada na produção de algodão), ele se apaixona por Ana Rosa, sua prima. Quer casar-se com ela, mas o tio, que é o pai da moça, proíbe. O motivo tem a ver com suas origens: na verdade, apesar de não parecer, ele é um "cabra", sinônimo de mulato naqueles dias, filho de uma noite de amor entre um português e uma escrava. Foi alforriado na pia batismal. A sociedade racista, escravocrata de São Luís, por si só já condena o amor dos dois.
Quem também teme que o amor dos dois resulte em casório é o já citado Cônego Diogo, sujeito sem um pingo de escrúpulos, que acredita que o envolvimento entre Raimundo e Ana Rosa acabe resultando na descoberta de suas falcatruas - que envolvem, inclusive, o pai de Raimundo.
A coisa só tende a complicar quando Ana Rosa revela que está grávida de Raimundo e recusa a oferta do cônego: abortar a criança. Sim, isso mesmo: um religioso sugerindo um aborto. No século XIX.
A situação vai num crescendo até que, finalmente, chegamos num desfecho trágico - que eu não conto, lógico. Não sou estraga-prazer. Só posso adiantar que, nos dias atuais, é um dos meus clichês cinematográficos preferidos.
Percebe-se na obra passagens nitidamente autobiográficas, testemunhais, como a passagem onde o autor narra a festa de São João numa das fazendas que ficavam no entorno de São Luís. Na história esta fazenda pertence a Maria Bárbara, avó de Ana Rosa, racista até a raiz dos cabelos, daquelas que preferiam morrer a ver a neta casada com um negro.
Ali em cima eu disse que o desfecho da história é trágico. Digamos que o clímax - para ficarmos num jargão mais televisivo (ou cinematográfico, como queiram) - seja trágico. O desfecho é irônico e coloca por terra a idealização romântica do casal protagonista.