"Sombra de reis barbudos" é um livro daqueles que me despertaram amor à primeira leitura. Não só pelo tema, mas também pela forma simples como foi escrito. É daqueles livros que nos põe a pensar erradamente: "Como é fácil escrever!"
Vamos à história.
Taitara é uma pequena cidade perdida no interior do país. É aquela cidadezinha da vendinha, do grupinho escolar, daquelas que o tempo parece ter parado. É lá que mora o menino Lucas, de 11 anos, com seus pais, Horácio e Vi. É Lucas que vai nos contar a história.
O lugar está prestes a se transformar. Tio Baltazar, irmão de Vi, chega cheio de idéias: ele quer fundar uma companhia que promete mudar a cara da cidade para sempre. Homem rico, cheio de disposição, empreededor, Tio Baltazar é contraste entre o novo e o velho, entre o arcaico e o moderno. Quer dar uma nova cara à cidade e aos seus negócios.
A Companhia de Melhoramentos de Taitara passa a funcionar a todo vapor. Tio Baltazar torna-se um homem popular, adorado pelos moradores da cidade. Mas certas coisas estranhas começam a acontecer. Tio Baltazar é afastado da companhia sem muitas explicações. Muros, muros e mais muros crescem por todas as ruas da cidade, afastando vizinhos, atrapalhando o deslocamento das pessoas. A companhia passa a proibir uma série de coisas. Depois de algum tempo, começam as perseguições. Alguns moradores são presos. Outros, desaparecem. Alguns podem ter sido mortos. A companhia se tornou o grande pesadelo de Taitara.
Horácio, o pai de Lucas, vira um dos principais fiscais da companhia. Passa a ter grande poder nas ruas do local. É temido. Lucas observa ao crescimento do pai na empresa com muita apreensão. O comportamento de Horácio muda dentro de casa. Para pior. Isso terá desdobramentos quando resolver se desligar do trabalho.
O que faz a companhia? Quem a dirige? A quem ela presta contas?
Este é o grande mistério do livro. Ninguém sabe, a resposta não nos é dada. Ninguém pode se defender de suas arbitrariedades. O cúmulo é quando ela resolve cercar definitivamente toda a cidade. Quem está dentro, não sai. Quem está fora, não entra.
Publicado em 1972, "Sombras de reis barbudos" é um libelo antitotalitarismo de José J. Veiga. A população passa a fugir da realidade fazendo qualquer coisa, até adotando urubus como animais de estimação. O que começa como a esperança de um novo porvir, se torna uma desgraça. Vocês já ouviram falar de algo parecido, não é?
Com toques de realismo fantástico, "Sombras de reis barbudos" (o título será explicado no final, ainda que se faça uma rápida menção no meio), é rápido de se ler. É uma bela fábula sobre a importância da liberdade. Não há como não ver no pai de Lucas aquele revolucionário que acaba sendo tragado pela própria máquina que ajudou a azeitar. Não há como não ver na Companhia uma métafora dos desmandos dos Estados totalitários.