quinta-feira, 12 de março de 2009

HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO FRANCESA - 1789/1799, de Jean Tulard

image Todas as revoluções nascem da idéia de um novo porvir, que vai derrubar um regime de injustiças e promover o bem e a igualdade para todos. Não raro elas descabam para a violência, para a intolerância, para as mesquinharias do poder, que, no final das contas, é exercido por seres humanos, demasiado humanos.

Em que pese algumas de suas boas conquistas, a Revolução Francesa também ficou conhecida como uma época de matanças, de paranóia e que culminou na ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder. Estaria no imperador o fim do movimento revolucionário francês? Segundo Jean Tulard, autor do livro, ainda não se sabe. Repleto de dados, de depoimentos dos próprios participantes deste momento que marcou a História, Tulard não apenas relata como também desmistifica vários aspectos da Revolução, antes tidos como heróicos, entre eles a famosa queda da Bastilha, prisão que era considerada o símbolo da opressão, mas que, quando invadida pelos manifestantes, continha apenas sete presos: dois loucos, quatro falsários e um... conde.

As causas da Revolução são várias e o curioso é que ela acontece no momento em que a França é uma potência mundial. Um país rico, pelo menos aparentemente. É governada, como sabemos, por um monarca absoluto, Luís XVI, que, ao contrário do que se pode pensar, era extremamente popular. Seu problema não era a falta de inteligência, mas sua fraca personalidade. Sua mulher, Maria Antonieta, esta sim, era muito mal vista pelos franceses. E não, ela não mandou ninguém comer bolo na falta de pão.

Um dos problemas da Monarquia era a venda de cargos, reservada, claro, à aristocracia. Começa a haver uma crise moral, com críticas à concentração total de poder nas mãos de um monarca; uma crise financeira devido ao aumento dos gastos públicos (Ops! Lembraram de algum país?) e o orçamento das guerras; uma crise econômica devido à inflação e a crise social, derivada dos direitos feudais como o censo, a jugada, entre outros, dos quais os senhores não abriam mão, mesmo num momento de crise. Com isso, eles passaram a ser vistos como vilões, mesmo aqueles que adiavam os recolhimentos para os anos de abundância. Como vovó já dizia: o justo paga pelo pecador, não é mesmo?

O desejo de mudança, porém, “é acompanhado por uma afirmação de profundo amor pelo rei, por uma defesa e glorificação da nobreza, por uma recusa, por parte do clero, de uma tolerância excessiva em relação aos protestantes.”

Mas as coisas vão num crescendo assombroso e quando a França vê, o absolutismo cai, o rei é guilhotinado, os revolucionários se tornam paranóicos com a idéia de contrarrevolução, inicia-se o Terror, destrói-se a Igreja, escrevem-se quatro constituições num espaço de cinco anos, cria-se o diretório, ocorre um golpe de estado após o outro, invadem-se outros países, massacram-se trabalhadores, a burguesia toma o poder e Napoleão vira imperador. Em dez anos, a França passa por um turbilhão de mudanças, de assassinatos políticos, de banho de sangue, corrupção, ruína econômica, guerra civil, incompetência e discursos vazios. Acaba o feudalismo, o exército ganha grandes batalhas e reforça-se o sentimento nacional.

Sei que muitos podem considerar implicância. Há um quê de pré-stalinismo nisso tudo. A Revolução Francesa está longe da nossa memória, mas a Revolução Russa está aí, fresquinha, a União Soviética caiu em 1989. Mas sempre se pode fazer um paralelo entre as duas revoluções:

“Foi no terreno cultural que o balanço da Revolução foi mais contestado. Denunciou-se seu vandalismo, inspirado por um fanatismo anti-religioso imbecil, a execução de cientistas, artistas e poetas durante o Terror, a esterilidade do teatro e da pintura em virtude de uma ideologia intolerante e de uma censura impiedosa.”

Uma das coisas que eu gosto de fazer – e acho que isso é uma das justificativas para eu gostar tanto de ler livros de História – é buscar semelhanças entre os fatos acontecidos séculos atrás, decênios atrás, com o que acontece com o Brasil. Nosso país é tão atrasado que até a idéia dos “fiscais do Sarney” e do tabelamento de preços já podia ser encontrada na época de Robespierre:

“Os preços eram fixados no âmbito do distrito. Também estava previsto um salário máximo (...). Todas as pessoas que venderem ou comprarem as mercadorias (...) acima do máximo determinado e afixado em cada departamento pagarão multa correspondente ao dobro do valor do objeto vendido e aplicável ao denunciante: elas serão incluídas na lista de pessoas suspeitas e tratadas como tais. O comprador não será passível da pena referida acima se denunciar a contravenção do vendedor; e cada comerciante será obrigado a ter um quadro visível em seu estabelecimento com o preço máximo ou mais elevado dessas mercadorias.”

A Revolução Francesa tinha que dar certo!!!

Falando do Brasilzão de hoje, como não poderia deixar de ser, temos que chamar atenção para o incitamento da luta de classes. O próprio presidente da República atual não perde uma oportunidade de espinafrar os ricos (como se não fosse um deles) responsabilizando-os por todas as mazelas nacionais. Os girondinos, ou a direita, na época da Revolução Francesa, eram os atacados. Fração mais moderada da Assembleia, não era adepta do banho de sangue e alertava contra a anarquia que começava a ameaçar a própria revolução. Logicamente, seriam taxados de “reaças” pelo pogreçistas daqui. O grande conflito entre a direita e a esquerda finalmente se revelava pela boca de Robespierre:

“Aquele que não é a favor do povo, que tiver calções (cullottes) dourados, é o inimigo de todos os sans-cullottes.”

Bobagem completa. Os girondinos não eram mais ricos que os montanheses (ou jacobinos ou... a esquerda).

É impossível deixar de dizer que Tulard mostra também como toda revolução sacrifica seus ideais. Não demorou muito para que a idéia de autodeterminação dos povos fosse por água abaixo: o exército revolucionário invadiu a Bélgica, a Holanda e ainda fundou repúblicas-irmãs na Itália. Isso lembra certo país que acusava os Estados Unidos de imperialismo e ao mesmo tempo transformava todos os países ao seu redor em repúblicas “socialistas soviéticas”.

A propósito:

“A Revolução não fez nada pelos operários; além dos belos discursos, foi-lhes, na verdade, hostil.”

Este texto é uma pálida mostra do bem documentado livro de Tulard. Vale a pena conferir.