segunda-feira, 12 de julho de 2010

UMA OU DUAS COISAS SOBRE “CARTAS DE UM DIABO AO SEU APRENDIZ”, DE C. S. LEWIS E DOIS TRECHOS DO LIVRO

image  O demônio Fitafuso troca correspondências com seu aprendiz Vermebile sobre a melhor maneira de arrebanhar um determinado jovem para as hostes do Pai nas Profundezas, um dos nomes do Capiroto, do Coxo, do Capa Verde. C. S. Lewis, para quem ainda não sabe, era ateu e se converteu ao Cristianismo. Por isso, Fitafuso considera como obras de seu “Chefe” coisas como o materialismo, o comunismo, o cerceamento de liberdades individuais e maneiras tortas de se definir a democracia. Uma das formas, por sinal, que os poderes infernais usaram para tentar controlar os homens foi exatamente a transformação do significado de algumas palavras. Isso, com certeza, já era uma preocupação de Lewis. Ele estava certo: tudo isso culminou no vocabulário politicamente correto, uma forma implacável e eficaz de se patrulhar o pensamento alheio.

No longo trecho que está aí embaixo, o demônio Fitafuso fala de um assunto que é por demais atual: o nivelamento por baixo dos estudantes na Inglaterra. O livro foi publicado em 1963 e o que texto que segue é desconcertante: Fitafuso venceu.

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Nessa terra promissora, o espírito do eu sou tão bom quanto você passou a ser algo mais do que uma influência puramente social. Ele começa a se infiltrar no sistema educacional. Não posso dizer com certeza até onde ele foi no presente momento. E isso tampouco importa. Uma vez que vocês captarem a tendência, poderão facilmente prever seus desdobramentos futuros; especialmente se nós mesmos desempenharmos um papel nesses desdobramentos. O princípio básico da nova é que os alunos lentos e vagabundos não devem sentir-se inferiores aos alunos inteligentes e esforçados. Isso seria "antidemocrático". Essas diferenças entre os alunos - porque elas são, muito obviamente, individuais -  precisam ser disfarçadas. Isso pode ser feito em vários níveis. Nas universidades, as provas devem ser elaboradas de tal forma que quase todos os alunos consigam boas notas. Os vestibulares devem ser feitos para que todos ou quase todos os cidadãos possam entrar nas universidades, quer tenham a capacidade (ou o desejo) de se beneficiarem com uma educação superior, quer não. Nas escolas, as crianças que forem lentas ou preguiçosas demais para aprender línguas, matemática e ciências podem ser levadas a fazer aquilo que as crianças costumavam fazer em seu tempo livre. E possível deixá-las, por exemplo, fazer bonequinhos de argila e dar a isso o nome de Educação Artística. Mas durante todo esse tempo jamais deve haver nenhuma menção ao fato de que elas são inferiores às crianças que estão efetivamente estudando. Qualquer bobagem em que es­tiverem envolvidas deve ter — acho que os ingleses já estão usando essa expressão — "igualdade de valor". E é possível conceber um esquema ainda mais drástico. As crianças que estiverem aptas a ser transferidas para uma classe mais adiantada podem ser mantidas na classe an­terior usando métodos artificiais, com a justificativa de que as outras poderiam ter algum tipo de trauma — por Belzebu, que palavra mais útil! — caso ficassem para trás. Assim, o aluno mais inteligente permanece democraticamente acorrentado a seus colegas da mesma idade - com toda a sua carreira escolar, e um menino capaz de compreender Esquilo ou Dante é obrigado a ficar sentado ouvindo seus coevos tentando soletrar "O VOVÔ VIU A UVA".

Resumindo, não é absurdo esperar pela abolição praticamente total da educação quando finalmente o eu sou tão bom quanto você sair vitorioso. Todos os incentivos para aprender e todas as penalidades para a ausência do desejo de aprender desaparecerão. Os poucos que quiserem aprender não poderão fazê-lo; afinal, quem são eles para se destacarem entre seus colegas? E, de qualquer modo, os professores — ou devo dizer “babás”? - estarão excessivamente ocupados tranquilizando os ignorantes e dando-lhes tapinhas nas costas para perderem tempo ensinando de verdade. Não precisare­mos mais ter de planejar e trabalhar arduamente para espalhar a arrogância serena ou a ignorância incurável entre os homens. Os próprios vermezinhos farão isso por nós.

É claro que isso só aconteceria se toda a educação se tornasse estatal. Mas é isso que acontecerá, pois faz parte do mesmo movimento. Os impostos, inventados para esse propósito, estão acabando com a classe média, a classe que estava disposta a economizar e fazer sacri­fícios para que seus filhos recebessem uma educação privada. A remoção dessa classe, além de estar ligada à abolição da educação, felizmente é mais uma consequência inevitável daquele espírito que diz eu sou tão bom quanto você. Foi este, afinal de contas, o grupo social que deu aos humanos a esmagadora maioria de seus cientistas, físicos, filósofos, teólogos, poetas, artistas, compositores, arquitetos, juristas e administradores. Se alguma vez já houve um bando de galhos que precisavam ter suas pontas cortadas para ficarem no mesmo nível das outras, certamente esse grupo era composto pela classe média. Como disse um político inglês, pouco tempo atrás, "a democracia não deseja grandes homens".

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Dando prosseguimento às palavras de Fitafuso – é claro que o autor usa também aspectos da doutrina cristã, mas meu foco aqui é secular –, vemos o que o pessoal do subsolo pensa sobre a democracia. É imperdível!

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Nós, no Inferno, certamente ficaríamos felizes com o desaparecimento da Democracia no sentido estrito da palavra: a tal organização política. Como todas as formas de governo, ela em geral trabalha em nosso favor; mas, no geral, está menos do nosso lado do que as outras for­mas. E devemos nos dar conta de que "democracia", no seu sentido diabólico (sou tão bom quanto você, Gente Como a Gente, Sensação de Pertencer a um Grupo), é o instrumento mais valioso que poderíamos desejar para extirpar as Democracias políticas da face da terra.

Pois a "democracia", ou o "espírito democrático" (no sentido diabólico), produz uma nação sem grandes homens, uma nação feita basicamente de analfabetos, moralmente fracos, devido à falta de disciplina na juventude, e frágeis devido a toda uma vida de intemperança. E é isso que o Inferno deseja que cada povo democrático seja. Porque quando uma nação dessas acaba entrando em conflito com outra nação onde as crianças foram diligentes na escola, onde o talento é valorizado e onde a massa ignorante não opina em assuntos de ordem pública, só um resultado é possível.

(…)

É nossa tarefa encorajar o comportamento, o esti­lo, enfim, toda uma atitude mental que as democracias naturalmente apreciam, porque são exatamente essas coisas que, se forem deixadas à vontade, acabarão por destruí-las. Vocês podem até mesmo perguntar-se por que os próprios humanos não enxergam isso. Mesmo que eles não leiam Aristóteles (pois isso seria antidemo­crático), era de esperar que a Revolução Francesa lhes tivesse ensinado que o comportamento que os aristo­cratas apreciam não é o mesmo comportamento que pre­serva a aristocracia. Pois então teriam aplicado o mesmo princípio a todas as formas de governo.

(…)

A derrocada dos povos livres e a multiplicação dos Esta­dos escravos são, para nós, apenas um meio (e é claro que são, além disso, bastante divertidos); mas o verdadeiro objetivo é a destruição dos indivíduos. Pois somente ns indivíduos podem ser salvos ou condenados à danação.

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Recomendo.