Começo de noite quieto, no Comando Especial de Proteção ao Cidadão. Talvez quieto demais, pensou o Inspetor-Chefe Brasílio, olhando o relógio. Já passava das nove, nenhuma ocorrência marcara o plantão até então modorrento e Brasílio, com um bocejo, se preparava para tomar um cafezinho, quando o telefone tocou e, por alguma razão, ele soube imediatamente que seria uma daquelas noites.
O telefonema era lacônico. Alguém falava rapidamente, ansioso por desligar, voz tensa, fôlego curto. Tabagista em ação na Vila Madalena. Dois tabagistas, aliás, ambos fumando um cigarro atrás do outro e desafiando as famílias presentes, num pequeno restaurante frequentado por boêmios e artistas.
Brasílio suspirou, fez um aceno para seu auxiliar. Sabia o que ia encontrar, delinquentes calejados e cínicos, capazes dos truques mais sórdidos para conseguir dar vazão a seus baixos instintos. Rumou para a porta apressadamente, sem nem parar enquanto pegava o paletó. Mas, já chegando à viatura, voltou. Esquecera o fio de prumo e foi com alívio que o enfiou no bolso, apalpando depois o volume com um tapinha.
Lá chegando, estacionou a viatura rente à calçada onde estavam os dois meliantes, a freada brusca fazendo os pneus cantar. Alguém os havia avisado da chegada do Comando e eles, cinicamente, saíram para a calçada para escapar ao flagrante, mas não contavam com a experiência de Brasílio. Não era, por assim dizer, seu primeiro tabagista.
— Freeze! — gritou Brasílio, apontando a arma e fazendo sinal para que Dedurão, seu auxiliar, segurasse imediatamente os malfeitores. — Quer dizer, não se mexam! Reconheceu num dos dois fumantes o rosto pervertido de Joel Pitadinha, reincidente em praticamente todos os bares e restaurantes da Vila. O canalha sorriu insolentemente, à aproximação dos policiais e não esperou que lhe falassem.
— Eu estou na calçada — disse ele, cuspindo de lado.
— Ah-ha! — retrucou Brasílio. — Mas debaixo da marquise!
Confusão, quase tumulto. Depois de algum esforço e com o bandido imobilizado exatamente no mesmo local onde se encontrava à chegada da viatura, o fio de prumo, pendurado na marquise acima da cabeça do infrator, deu seu veredicto implacável: tanto a brasa do cigarro quanto a boca e o nariz de Joel Pitadinha estavam claramente a 14 milímetros para debaixo da marquise. Quanto ao outro capturado, uns escandalosos 11 centímetros.
Enquanto os algemava, Brasílio pensou com certa melancolia em como logo Pitadinha estaria solto, para de novo tabaquear acintosamente, São Paulo afora. Um irrecuperável — e Brasílio se perguntou mais uma vez se a prisão perpétua ou a pena de morte, em certos casos, não seriam indicadas, num triste, porém verdadeiro, reconhecimento da torpeza a que muitas vezes desce o ser humano. Mas não pôde continuar a pensar, porque, assim que os tabagistas foram enfiados no camburão que convocara, o rádio da viatura emitiu seu chamado metálico.
Palmadista no Morumbi! Aparentemente fora de si, depois que seu filho de sete anos tocou fogo na caixinha onde guardara seus adaptadores de tomada raríssimos e irrecuperáveis e valendo uma fortuna no mercado negro de tomadas, um homem transtornado dera duas palmadas na criança, na presença de uma vizinha com quem brigara antes e que o denunciou. Brasílio se enfiou na viatura e pegou imediatamente o rádio. Precisava de reforços e foi com alívio que soube que Rocha Pirado, o psicólogo do Comando, estava a caminho.
Ao chegarem, o palmadista ainda se encontrava muito nervoso, segurando o filho pelo braço e ameaçando torcer-lhe a orelha, se os agentes do Comando se aproximassem. Sim, tudo indicava que ele seria capaz desse ato extremo, do qual o menino podia jamais vir a recuperar-se, não convinha facilitar.
Mais um trabalho para Rocha Pirado, que, depois de uma série de manobras delicadas, conseguiu chegar perto do desesperado o suficiente para começar a lhe fazer uma série de perguntas. Depois de cerca de meia hora de trabalho, o homem cedeu. Se Pirado prometesse calar a boca, ele se entregaria, o que de fato aconteceu. Cabisbaixo, cobrindo o rosto com um casaco para evitar ser reconhecido, o palmadista foi recolhido, na companhia de sua esposa e cúmplice.
Brasílio olhou para o rostinho do menino socorrido. Agora ele ia ficar livre de torturas, sob os cuidados zelosos de uma instituição pública para menores, enquanto seus desorientados pais passariam uma temporada num manicômio judiciário, para exames e tratamento das perversões já diagnosticadas por Rocha Pirado. Só momentos como esse faziam valer a pena o sacrifício de ser um atribulado agente da lei.
Mas a vida não para, o crime não descansa e eis que o rádio chama novamente. Do outro lado, o detetive Nuguete, com um recado macabro. Restos de um hambúrguer meio mordido haviam sido achados numa escola em Perdizes. "Prepare-se", disse Nuguete. "Não é uma visão bonita." Brasílio suspirou outra vez. Já ouvira falar que os alunos daquela escola consumiam secretamente comidas proibidas e havia homens seus seguindo os passos da quadrilha traficante de jujubas que lá estava agindo. Entrou na viatura, ligou a sirene. No rádio, notícias sobre três assaltos com quatro mortos, dois atropelamentos por motoristas bêbados com seis mortos cada e um sequestro relâmpago com um morto só.
Brasílio lembrou com orgulho que nada daquilo era de sua alçada.
"Comigo, tudo bem", pensou. "Comigo, o cidadão está protegido."