quinta-feira, 27 de março de 2008

ENTREVISTA DE ALESSANDRO MOLON NO GLOBO OU COMO SER CARA-DE-PAU SEM ESBOÇAR UMA PONTINHA DE RUBOR

O excesso de cuidado com cada palavra, com a revisão das frases e a correção de expressões, revela a preocupação do deputado estadual Alessandro Molon em explicar o apoio daquele que foi um dos seus maiores adversários em seis anos de vida pública: o presidente da Assembléia, Jorge Picciani, que já o deixou a pão e água. Para Molon, que garante manter as críticas feitas no passado, as vantagens de uma unidade de Lula e Sérgio Cabral, em benefício do Rio, compensam o fato de juntar-se ao ex-adversário.

Chico Otavio
O GLOBO: Quem é Alessandro Molon? Como o senhor se define?
MOLON: Pula esta, pula esta.

O senhor tem um histórico de problemas com o deputado Jorge Picciani. Foi seu o único voto contrário à eleição de Picciani para a presidência da Alerj em 2004. Na ocasião, o senhor perdeu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Casa, denunciou Picciani por trabalho escravo e ficou praticamente a pão e água na Assembléia. Como agora recebe este apoio?
ALESSANDRO MOLON: Fui convidado pelo governador Cabral para participar de uma reunião com os líderes do PMDB do Rio. Na reunião, fui informado que o partido decidira apoiar o meu nome e o do secretário Regis Fitchner como vice. Desta reunião, participou o presidente interino do diretório municipal, Jorge Picciani, de quem já divergi diversas vezes. Como não se tratava de um debate sobre os rumos da Assembléia, mas uma manifestação de apoio do PMDB, naturalmente o tema não foi a divergência, mas o apoio de Cabral e Lula à minha candidatura, que contou com o apoio explícito de Picciani, mesmo tendo eu votado contra a sua eleição.

O senhor se sente à vontade para recebê-lo em seu palanque?
MOLON: Mantenho minhas posições e os pontos de vista que sempre tive. Não tenho constrangimento algum com a sua presença porque a aliança que está sendo construída é para recuperar o Rio e não uma aliança espúria.

Em 2003, o senhor cobrou punição para Picciani pela denúncia de existência de trabalho escravo em suas fazendas em Mato Grosso. Como avalia o seu papel no caso?
MOLON: Tenho a certeza de que fiz o que deveria ter feito. Não me arrependo das posições que assumi.

Até sair da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, no primeiro mandato, o senhor foi um incansável ativista na luta contra os abusos policiais. Agora, de volta a esta mesma comissão, o que o senhor vem fazendo?
MOLON: Atendimento às vítimas de violência e violação de direitos humanos e encaminhamento aos órgãos competentes. Estou satisfeito por perceber que o PAC está acontecendo sem incremento na quantidade de óbitos.A partir desta intervenção, fruto da parceria de Lula com Cabral, a vida dessas comunidades vai mudar. Se ganharmos, poderemos dar, à frente da prefeitura, contribuição fundamental na prevenção da violência, na oferta de educação pública de qualidade e de opções de cultura, esporte e lazer.

O deputado Chico Alencar (PSOL), com quem o senhor já fez dobradinha eleitoral, chamou sua candidatura de aliança do "homem de bem com o homem de bens", referindose ao senhor e Picciani. O que tem a dizer sobre a crítica?
MOLON: Nossa campanha tem por objetivo permitir o engajamento do município na parceria que já existe entre União e estado. A capital tem ficado de fora, por falta de vontade política da prefeitura.A candidatura vai permitir que os investimentos cheguem. O Rio merece esse esforço. Para isso, é preciso juntar forças de campos políticos diferentes.

Como o senhor avalia o último escândalo na Alerj, envolvendo deputados com fraudes no programa de auxílio-educação da Casa?
MOLON: Uma situação lamentável e grave. Macula a imagem da Assembléia e da atividade política e é fundamental que a Casa dê uma resposta, acredito que vá fazer isso.

O senhor sempre foi um crítico contumaz nas operações policiais com o uso do Caveirão. O que o senhor pensa, agora?
MOLON: O uso de um veículo blindado para a proteção de agentes de segurança, por si só, não é inadmissível.O problema ocorre quando é utilizado para a prática de atos delituosos por agentes do Estado.

É aqui que entra o meu saudosismo em relação ao repórter Ernesto Varela. Tenho certeza de que finda a entrevista ele ainda perguntaria (com a câmera fingindo estar desligada):

- Vem cá, seu Molon, na boa: o senhor acredita mesmo em cada palavra que o senhor disse?

Eu seria mais incisivo (e bem menos sem graça):

- Vem cá, tu não tem vergonha, não? Tu nasceu com essa cara-de-pau ou o marceneiro entregou hoje?