Agora que já acabei de ler, vejo que uma coisa me marcou: o ritmo. A cadência. A toada. Em outras palavras, "Noturno do Chile" é um livro veloz. Não só pelo pouco tempo que gastamos lendo a obra - em um dia "mata-se" a história - mas o fluxo narrativo é daqueles que nos passam a sensação de que escrever do jeito que Bolaño escreve é fácil. Ledo engano. O que deve ter aí de cálculo é impressionante! Ops! Impressionante não. Afinal, um dos personagens da novela de Bolaño, o crítico literário Farewell diz para o protagonista lá pelas tantas:
- Gostar é bom. Impressionar-se é ruim.
"Noturno do Chile" não tem capítulos. Ela é contada num só fôlego em dois parágrafos, sendo que o segundo é última frase do livro, que nos traz as reminiscências do padre Sebastián Urrutia Lacroix, um crítico literário que está às portas da morte. De sua cama, eles nos conta a sua trajetória, o dia em que conheceu Pablo Neruda (o poeta que cometeu o insuportável "Canto geral", livro chatíssimo além de ser uma babação de ovo stalinista), seu trabalho como pesquisador no campo de conservação de igrejas, o retorno ao Chile em meio às tensões que culminaram na derrocada do governo Allende e sua inesperada atuação como professor de marxismo do general Pinochet. Sim, Sebastián deu aulas de Marx para a junta militar que governou país logo depois do golpe.
O livro me pegou no exato momento em que revelou o meu próprio estado de espírito em relação à boa e velha literatura. Me sentia meio cansado e fazendo a pergunta que está nas bordas de "Noturno do Chile": mas, afinal, para que serve a Literatura? Por que lemos tanto? De que adianta tudo isso? Mas assim como Sebastián Lacroix vi "recuperada a minha alegria de leitor, recuperado meu instinto, totalmente curado". E me senti como neste trecho:
"Então eu fiquei quieto, com um dedo na página em que estava lendo, e pensei: que paz."
E há também momentos irônicos, certeiros como o pedaço em que o padre Sebastián nos revela um sonho:
"De repente aparecem dois arqueólogos franceses, muito excitados e nervosos, e dizem ao Santo Padre que acabam de voltar de Israel e que trazem duas notícias, uma muito boa e a outra bem ruim. O papa suplica que falem logo de uma vez, que não deixem aflito. Os franceses, atropleando-se, dizem que a boa notícia é que encontraram o Santo Sepulcro. O Santo Sepulcro?, diz o papa. O Santo Sepulcro. Sem sombra de dúvida. O papa chora de emoção. Qual é a má notícia, pergunta, enxugando as lágrimas. Que no interior do Santo Sepulcro encontramos o cadáver de Jesus Cristo. O papa desmaia. Os franceses correm para reanimá-lo. O teólogo alemão, que é o único tranqüilo, diz: ah, mas então Jesus Cristo existiu mesmo?"
"Noturno do Chile" é uma excelente dica. Excelente, Persegonha? Excelente. "Você está certo disso"? Eu? Bem, eu não. Até porque como pergunta Sebastián Lacroix, depois de ter dado lá as suas aulas para Pinochet e sua turma:
"Sabe um homem, sempre, o que está certo e o que está errado?"
É isso.