sábado, 30 de agosto de 2008

A BÍBLIA NÃO TINHA RAZÃO (5): A TENTATIVA DE SE CRIAR UMA HISTÓRIA UNIFICADA DE ISRAEL E JUDÁ

"Há muito tempo, o estudioso bíblico alemão Martin Noth argumentou que os relatos de eventos dos mais antigos períodos da existência de Israel - as histórias dos patriarcaso Êxodo e a caminhada pelo Sinai - não foram originalmente escritos como uma única saga. Noth teorizou que esses relatos eram tradições separadas de tribos individuais, os quais tinham sido reunidos em uma só narrativa a fim de servir à causa da unificação política da heterogênea população israelita espalhada pelo mundo. Em sua opinião, o foco geográfico de cada um dos ciclos de histórias, particularmente dos patriarcas, oferece pista valiosa para o lugar onde a montagem - não necessariamente os eventos - da história aconteceu. Muitas narrativas relacionadas a Abraão são passadas no sul de um país montanhoso, especificamente a região de Hebron, no sul de Judá. Isaac é associado com a margem sul do deserto de Judá, a região de Bersabéia, em especial. Em contraste, a maior parte das atividades de Jacó ocorreu na região montanhosa do norte e na Transjordânia, áreas essas sempre de interesse particular da porção norte, o reino de Israel. Dessa maneira, o estudioso alemão sugeriu que os patriarcas eram, originalmente, antepassados regionais muito afastados, que foram reunidos, por acaso, em uma só genealogia, num esforço para criar uma história unificada.

Agora é evidente que a escolha de Abraão, com sua estreita ligação com Hebron, a mais antiga cidade real de Judá, e com Jerusalém ('Salém', em Gênesis 14,18), teve a intenção também de enfatizar a primazia de Judá, mesmo nos mais antigos tempos da história de Israel.

(...)

depois que o reino de Israel, ao norte, foi destruído pelo império assírio, em 720 a.C., Judá cresceu muito em população, desenvolveu complexas instituições de Estado e emergiu como poder significativo na região. Era governado por uma antiga dinastia e possuía o templo remanescente mais importante do Deus de Israel. (...) Compreendeu sua própria sobrevivência, desde o tempo dos patriarcas, como evidência da intenção de Deus de que Judá deveria governar sobre toda a terra de Israel. Como única sociedade israelita organizada sobrevivente, Judá se via, num sentido realista, como o herdeiro natural dos territórios israelitas e de sua população, que havia sobrevivido ao massacre assírio. O que seria necessário era um modo convicente de expressar essa compreensão, tanto para o povo de Judá como para as comunidades israelitas espalhadas, que viviam sob domínio assírio. Assim, nasceu a idéia do pan-israelismo, com Judá ao centro.

(...)

Mesmo assim, embora as histórias do Gênesis tenham girado em torno do reino de Judá, elas não negligenciaram honrar as tradições israelitas do norte. Nesse aspecto, é significativo que Abraão tenha construído altares para YHWH em Shechem e em Betel (Gênesis 12,7-8), os dois centros mais importantes do culto no reino do norte - assim como Hebron (Gênesis 13,18), o mais influente centro de Judá, depois de Jerusalém. Dessa maneira, a figura de Abraão funciona como o unificador das tradições do norte e do sul, estabelecendo uma ligação entre essas regiões."