sábado, 14 de março de 2009

NELSON RODRIGUES E O ABORTO

Ninguém é obrigado a conhecer a obra completa de todos os autores. Mas se os admira e os usa para defender uma idéia, a coisa muda de figura. Tem que conhecer, sim. A fundo. Em seu blog, Rodrigo Constantino cita Nelson Rodrigues num texto em que defende o aborto. Abaixo, o trecho:

Sam Harris, autor de Carta a uma Nação Cristã, escreveu sobre Madre Teresa de Calcutá: "A compaixão de madre Teresa estava muito mal calibrada, se matar um feto no primeiro trimestre a perturbava mais do que todo o sofrimento que ela testemunhou nesta Terra”. Creio que o “amor” dessas pessoas pelo feto de poucos milímetros supera bastante qualquer possibilidade de empatia pelos seres humanos concretos. É mais ou menos como Nelson Rodrigues falava: “Amar a Humanidade é fácil; difícil é amar o próximo”. Infelizmente, muitos “humanistas” acabam assim, apaixonados por uma causa mais abstrata, que lhes fornece uma entorpecente sensação de superioridade moral, enquanto seus próximos sofrem as conseqüências.

Por exemplo: não conheço a obra de Sam Harris, nada posso dizer. Concordo com Reinaldo Azevedo quando diz que sonha em viver num mundo em que um feto humano tenha mais direitos que ovos de tartaruga do projeto Tamar. Rodrigo talvez não defenda as tartarugas, mas também não faria um "aborto retroativo".

Adiante.

A questão é a frase de Nelson. Pro seu bem é bom que esteja morto. Se  a visse num texto que defende o aborto, não sei o que faria. Rodrigo não pode usar Nelson para defender o aborto. Nem para ilustrar um parágrafo. Nelson era contra o aborto. Radicalmente contra. Basta folhear "Flor de obsessão", um livro com muitas de suas frases, e esbarrar com uma que não deixa a menor dúvida:

"Aborto é coisa de Jack, o estripador."

Sei que ultrapasso a intenção deste post, mas uma frase de Constantino me chamou a atenção:

Creio que o “amor” dessas pessoas pelo feto de poucos milímetros supera bastante qualquer possibilidade de empatia pelos seres humanos concretos.

Por quê? O que uma coisa tem a ver com a outra? Por que amor entre aspas? Um feto não é um ser concreto? É abstrato? Abstratos fossem, por que liquidá-los, não é mesmo? Rodrigo, enquanto* blastocisto no endométrio de sua mãe era um ser concreto ou não? O bichinho lá, sugando o sangue das paredes uterinas da mãe é um ser concreto ou uma ilusão dela? O feto que regula até o apetite da mulher é concreto ou abstrato?

Bom, me excedi. Mas fica aqui a frase de Nelson.

* Odeio usar este termo, mas foda-se...