terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A BATALHA PELA ESPANHA, de Antony Beevor – Parte 1

image Imagine que você é um espanhol comum, sem grandes paixões políticas e ideológicas e que tenta levar sua vida de uma maneira normal, frequentando os amigos, levando os filhos no colégio, bebericando de vez em quando, ganhando honestamente o seu dinheiro. De repente, a esquerda vence as eleições – ela, que já tinha tentado dar um golpe de estado anos antes – e a direita, revoltada, resolve promover um levante para derrubar o governo eleito legalmente. Para onde correr? Da noite para o dia, você terá que escolher entre os Brancos, os nacionalistas de Franco e os comunistas da Frente Popular. É algo assim como escolher entre o câncer e a aids.

Retomando as “séries históricas” do LEITE DE PATO, no esquema de perguntas e respostas baseadas no livro “A batalha pela Espanha”, de Antony Beevor, este blog tentará mostrar o que foi a Guerra Civil Espanhola. Claro que tudo isto é um pequeno pedaço do livro altamente detalhista de Beevor, mas já dá pra se ter uma noção do que foi o conflito que antecedeu a Segunda Guerra Mundial.

Esta série será dividida em quatro partes.

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É correto afirmar que a Guerra Civil Espanhola foi um confronto entre esquerda e direita?

Trata-se de uma simplificação enganosa. Surgiram dois outros eixos de conflito: o centralismo estatal contra a independência regional e o autoritarismo contra a liberdade do indivíduo. As forças nacionalistas da direita eram muito mais coesas porque, com poucas exceções, combinavam três extremos coesivos. Eram ao mesmo tempo de direita, centralistas e autoritárias. A República, por outro lado, constituía um caldeirão de incompatibilidades e suspeitas mútuas, com centralistas e autoritários, principalmente comunistas, enfrentando a oposição de regionalistas libertários.

A Guerra Civil Espanhola continua a ser um dos poucos conflitos modernos cuja história foi escrita com mais eficácia pelos perdedores que pelos vencedores.

Se a coalizão de direita tivesse vencido as eleições de 1936, a esquerda aceitaria o resultado?

Há fortes suspeitas de que não. O líder socialista Largo Caballero ameaçou abertamente, antes das eleições, que, se a direita vencesse, haveria uma guerra civil declarada. Caballero, é bom frisar, declarou que queria uma República sem classes, mas para conseguir isso uma classe teria de desaparecer. Isso era uma repetição óbvia da intenção declarada de Lênin de eliminar a burguesia.

Mas uma vitória da esquerda, em 1937 ou 1938, teria levado a uma escala de execuções comparável à de Franco?

É claro que é impossível saber e não se pode julgar inteiramente pela guerra civil russa, mas esta é ainda uma pergunta que não se deve rejeitar. O vencedor de qualquer guerra civil, como afirmaram vários historiadores, está fadado a matar mais devido ao ciclo de medo e ódio.

Por que o anarquismo se tornou a maior força junto à classe operária espanhola?

A estrutura proposta de comunidade cooperativas livremente associadas correspondia às tradições profundamente enraizadas de ajuda mútua, e a organização federalista falava aos sentimentos anticentralistas. Também constituía uma forte alternativa moral a um sistema político corrupto e a uma Igreja hipócrita. Muitos observadores ressaltaram o otimismo ingênuo que o anarquismo inspirava nos camponeses sem terra da Andaluzia. Muito também foi dito sobre o modo como a ideia foi disseminada por personagens ascéticos, quase santos, e como os convertidos largavam o fumo, o álcool e a infidelidade (conquanto rejeitassem o casamento oficial). Chegou a ser descrito como uma religião secular. A intensidade deste primeiro anarquismo levou os convertidos a acreditar que o mundo veria que a liberdade e a ajuda mútua eram a única base da sociedade naturalmente organizada. Bastaria abrir os olhos do povo, libertar o enorme potencial de boa vontade e deflagrar o que Bakunin chamava de “criatividade espontânea das massas”.

Por que o desenvolvimento dos socialistas foi lento na Espanha?

A sociedade espanhola era predominantemente agrícola e Marx sentia profundo desprezo pelo campesinato, o qual chamava de “idiotia da vida rural”. Ele acreditava que o capitalismo só seria derrubado pela sua própria criação, o proletariado industrial. Mas na Espanha, a maior parte das indústrias se concentrava na Catalunha, bastião do anarquismo. Além disso, a ênfase que os marxistas davam ao estado centralizado ampliava seu insucesso. Os adversários dos marxistas, mesmo nos movimentos de esquerda, chamavam-nos de los autoritarios.

Como era visto o exército espanhol antes da Guerra?

Embora basicamente reacionário, às vezes era visto como aliado do povo contra os políticos corruptos e como força de regeneração nacional.

Qual a diferença de votos nas eleições de 1936, a última da Espanha antes da Guerra Civil?

A Frente Popular, de esquerda, venceu por pouco mais de 150 mil votos de diferença. A lei eleitoral que beneficiara a direita em 1933 agora ajudara a esquerda. A Frente Popular recebeu a maioria das cadeiras das Cortes. Mesmo assim, ignorou a estreiteza de sua vitória e passou a se comportar como se tivesse recebido um mandato avassalador para efetivar a mudança revolucionária.

Quais as consequências econômicas da vitória da Frente Popular?

Antes de mais nada, é bom ressaltar que a Espanha passava por uma grave crise financeira desde 1931. Mas assim que venceram as eleições de 1936, os trabalhadores fizeram enormes exigências salariais, muito além do que as fábricas e fazendas poderiam suportar. As greves se multiplicaram, o desemprego aumentou, o valor da peseta caiu muito no câmbio internacional. O gabinete de transição não conseguiu equilibrar a situação. A impressão geral de um colapso da lei e da ordem caiu como um presente nas mãos da direita antidemocrática.

CONTINUA EM BREVE.