Não costumo publicar textos inteiros aqui no blog. Mas este eu vou publicar. Os grifos são meus.
O fracasso do leilão do trem-bala foi o primeiro grande sucesso do governo Dilma Rousseff. Zero a zero e bola ao centro. Mandaram para o zoológico a girafa nascida na Valec do doutor Juquinha e redesenhada na Agencia Nacional de Transportes Terrestres.
Uma geração de engenheiros formados na PUC do Rio lembra-se do professor Ademar Fonseca, titular de mecânica. Pelo porte e pela voz tinha o apelido de Cachorrão. Um dia, deu zero a um aluno que resolvera o problema, mas, na última linha, errara na vírgula. Ao invés de oito, escrevera 80: "Professor, é uma vírgula. Está tudo certo. Cinco páginas de prova e uma vírgula!"
Cachorrão deu-lhe uma lição que ficaria para a vida: "Menino, isso é para você aprender. Um engenheiro não pode fazer um erro de vírgula. Uma ponte não pode ter 8 metros, ou 80 metros. Você mergulha em uma questão complexa, depois, quando você termina, você se afasta e olha o jeitão da coisa. Pelo jeitão você vai ver se é oito, ou 80. Então, é zero mesmo!"
Um trem que custaria R$ 19 bilhões, bancado pela iniciativa privada, arriscava sair, com a ajuda de uma estatal e da Viúva, por R$ 33 bilhões. Falando sério, R$ 45 bilhões, pelo menos. Pelo jeitão, alguma conta estava errada. Não era um projeto de trem unindo o Rio a São Paulo e, mais tarde, a Campinas. Era um prelúdio da formação de cleptoconsórcios que habitualmente acabam no noticiário policial e em CPIs.
Pela primeira vez em muitos anos, as grandes empreiteiras nacionais recusaram-se a entrar numa aventura. O comissário da ANTT, Bernardo Figueiredo, disse que "nós não conseguimos que o mercado percebesse e encontrasse condições de fazer alianças".
Deu-se o oposto: o mercado percebeu tudo e seguiu o ensinamento de Cachorrão. Olhou para o "jeitão" do negócio e afastou-se dele.
O trem-bala não tem traçado, projeto ou estimativa de demanda que demonstre sua viabilidade. Pode-se discutir até mesmo sua prioridade, pois por R$ 33 bilhões constroem-se 100 quilômetros de linhas de metrô em cidades brasileiras.
Tomado pelos murmúrios, o trem sairia do Rio, mas não se sabe de onde. Seu ponto de chegada em São Paulo ficaria longe do metrô. Mais: faria alguns percursos nas duas cidades rodando sobre vias elevadas.
Aquilo que foi um trem Rio-São Paulo chegou a ser um projeto que, na primeira fase, ligaria Campinas a São José dos Campos. Por conta das facilidades topográficas, a linha Campinas-São José pode ser economicamente mais atraente do que a Rio-São Paulo, mas essa gambiarra é uma reencarnação do J. Pinto Fernandes da poesia de Drummond, aquele que se casou com Lili, mas "não tinha entrado na história".
Se os ensinamentos do professor Cachorrão tivessem sido absorvidos pelos poderosos do Planalto, o Brasil não teria torrado US$ 18 bilhões (em dinheiro de 1982) num acordo nuclear com a Alemanha. Também não teria construído a Ferrovia do Aço (cerca de US$ 4 bilhões) para transportar pedras a 100 quilômetros por hora.
Há momentos em que a melhor decisão é parar a máquina da grande ideia. Lula teve a sabedoria de mandar para o lixo a teatralidade onipotente do Fome Zero. No seu lugar, ergueu o êxito do Bolsa Família.