quinta-feira, 6 de agosto de 2009

JENNY MARX, Françoise Giraud

image Este é um livro curioso: é a biografia da mulher de Marx, mas mesmo aqui vemos que o protagonista é o marido. Devotada a Karl e à sua causa, Jenny foi uma mulher batalhadora, sofredora, que, entre um sufoco financeiro e outro, entre a morte de um filho ou outro, apoiou as ideias loucas do marido até o mais amargo fim.

“Hoje, o ídolo está fracassado. Como substituto da eterna necessidade de crença do homem, o marxismo recuou. Como método de gestão de uma sociedade, está desqualificado. Não se pode negar que em 74 anos de aplicação prática nenhum de seus objetivos foi alcançado e que não proporcionou àqueles que o apoiaram bem-estar, dignidade ou liberdade.”

Mesmo assim, não podemos negar que mesmo hoje em dia, com todas as suas teorias dando com os burros n’água, Marx ainda paira como um deus sobre as águas:

“Apenas os fundadores de grandes religiões conheceram algo semelhante, com a seguinte diferença: Marx não faz profecias em nome de Deus. Ele proclama o contrário, que apenas o Homem faz o Homem, gera o Homem. E com um potente otimismo fundamental, promete o céu sobre a terra. Depois da Revolução.”

E não entrega, claro.

“Jenny não pode imaginar que em seu nome serão construídos sistemas bárbaros, dos quais ele não tinha nenhuma ideia.”

O pai de Jenny era adepto das teorias de Saint-Simon, mas dizia que a justiça social devia ser estabelecida, “mas por outros meios e não através da revolução: a sociedade deve proporcionar a cada um trabalho e o mínimo de recursos, ainda que seja restringindo a propriedade privada e o direito à herança, os ociosos devem ser punidos...”

O pai de Jenny, um homem rico, talvez gostasse de restringir a propriedade dos outros, vá saber. Mas certamente seria divertido ver a reação dos padres de passeata dos dias de hoje, tais como Julio Lancelotti, quanto à ideia de punir os ociosos.

Marx vivia num mundo próprio:

“Ele terá sempre tendências especiais para não enxergar as realidades que se opõem a seus projetos, e graças a isso poderá prever, por exemplo, a revolução para o mês seguinte – e isso em todas as etapas de sua vida e sem jamais chegar a vê-la realizada.”

É bom lembrar que Marx era um antissemita, embora seus adeptos ainda hoje façam cara de paisagem quando se toca no assunto:

“Na época, não falta literatura obscena sobre os judeus e nem libelos antissemitas. Dentro da maldade e do menosprezo, Karl Marx situa-se à altura. Por quê? Quando ele escreve ‘A questão judaica’, tem 25 anos e está em plena lua-de-mel. De onde vem este fel, este ódio?

(...)

Ódio de si mesmo? Negação de sua condição de judeu? Afirmação de sua diferença de conversão? Um historiador, Arnold Kunzli, sustenta a tese segundo a qual toda a obra de Marx deve ser interpretada com esta chave, que constituirá seu judaísmo não assumido, execrado. Há, em todo o caso, uma falha vertiginosa em sua personalidade. Os marxistas ficam nervosos quando se levanta o assunto e se movimentam para tentar escamoteá-la. Em vão. Os textos estão lá, repugnantes.”

A rivalidade entre Marx e Bakunin aparece quando há uma disputa pelo controle da Primeira Internacional. Bakunin pega na veia:

“Toda sociedade organizada a partir das teorias de Marx terminará, inevitavelmente, em despotismo em nome do socialismo!”

Acertou em cheio.

Ainda na I Internacional, Marx propaga a calúnia de que Bakunin cometera fraudes. Isso se tornará uma das “melhores” tradições comunistas no futuro: eliminar inimigos do regime através de mentiras.

Marx gostava de cabarés e putas, apesar de clamar sempre contra a prostituição: “Se não existissem as francesas a vida não valeria a pena ser vivida”, diz ele a Engels. Já casado e com dois filhos, o casal Marx contrata duas babás, uma para cada filho. É uma maneira “muito particular de ser pobre”, frisa a autora.

Com Lenchen, uma das criadas, tem um filho:

“Convenhamos que, para o chefe do partido comunista internacional, defensor dos oprimidos e explorados, isso soa mal.”

E soa mal por quê? Porque Marx não reconheceu a criança. Nunca lhe deu instrução, educação. Esqueceu-o, ignorou-o. Ainda por cima pediu para Engels, na maior cara de pau, assumir a paternidade. Determinado a limpar a imagem de Marx, como muitos tentam fazer até hoje, um historiador, Heinz Monz, diz que Lenchen, a mãe do filho bastardo de Marx, é uma “puta do regimento”. Como se isso justificasse alguma coisa. “O ardor em redimir Marx”, diz Giroud, “é odioso”. Nada dá sustento à tese de Monz.

O Manifesto

Quando eu digo que os esquerdistas querem o socialismo para os outros é porque a coisa já começa errada com o inspirador desses devaneios. Um dos pontos do Manifesto do Partido Comunista prevê a abolição do direito de herança. Marx era um dos mais empenhados, diz Giroud, em reivindicar a sua. Quando morre a companheira de Engels, Marx responde à carta do parceiro falando de suas dificuldades financeiras e diz: “Em vez de Mary [a mulher de Engels], não poderia ter sido a minha mãe?”

Na Inglaterra, como não poderia deixar de ser, a família Marx descobre as delícias do capitalismo numa época de vacas gordas. Marx, vejam vocês, chega a aplicar e a ganhar uma grana na Bolsa de Valores... americana. Segundo ele, as operações eram fáceis e ele queria “arriscar algum dinheiro para apanhar o do inimigo!” Aqui Giroud não fala, mas eu creio que isso era só uma desculpa esfarrapadíssima para justificar o fato de estar maravilhado com as possibilidades do capitalismo que queria destruir.

Marx também faturou um bom capilé na bolsa de Londres. Giroud escreve:

“Sem dúvida, parece que ele não persistiu nessa atividade. Mas não é encantadora essa imagem de Marx fazendo frutificar, prudentemente, sua herança na bolsa de Londres?”

Como todo bom comunista, os Marx tinham lacaios. Marx era apreciador de vinho do Porto, um chique portador de monóculos, fumava os melhores charutos, não hesitaria em dar a mão de suas filhas a aristocratas e multiplica as fartas recepções em sua casa. Marx nunca pensou, nem de longe, em viver longe do fausto e do luxo. Se viveu na pobreza por muito tempo foi por sua incapacidade de arrumar trabalho. Incapacidade ou falta de vontade, pois sempre arrumva quem lhe pagasse as contas, ou melhor, quem lhe arranjasse o... capital.

Marx já estava morto quando a Revolução Russa triunfou e botou em prática suas ideias. É o Destino, este deus impiedoso, que apronta com o barbudo uma de suas maiores ironias:

“Russo é a pior injúria em sua boca. Povo inferior. Sempre nutriu o temor de que as hordas russas avançassem das fronteiras e destruíssem a civilização ocidental, fazendo desaparecer todas as conquistas das classes trabalhadoras.”

Mas não vamos pensar que Lênin e companhia conspurcaram as ideias de Karl, que defendia a necessidade da ditadura do proletariado e chamava o resto de “ding-dong democrático”.

Marx sobrevive. Nos meios universitários, em partidecos metidos a defensores da ética, na Teologia da Libertação, em Cuba, na Coréia do Norte, na China...

Mas Giroud encerra o livro de forma categórica:

“Mas a ilusão está morta, (...) o socialismo científico fica como a mais trágica impostura do século.

Jenny von Westphalen, criatura de amor e de fé, foi a sua primeira e voluntária vítima.”