quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O QUE OS HISTORIADORES FALAM SOBRE A INQUISIÇÃO - I

Quando eu era um adolescente chato – e quem não foi, não é mesmo? – eu implicava com tudo. Religião era sempre vítima do meu pensamento sagaz e implacável. Religião aqui é o Cristianismo professado pela Igreja Católica. As estruturas de poder do Vaticano, a riqueza, o luxo do Papa, tudo era alvo de minha mente brilhante e altamente perspicaz.

A Inquisição era ponto obrigatório quando eu queria ferir de morte com o meu tirocínio todos aqueles que ainda insistiam cultivar aquela estranha fé adornada por ouro, basílicas e obscurantismo. Quando eu queria demonstrar contrariedade com alguma opinião, cravava certeiro: isso é medieval! É do tempo da Inquisição! E acreditava que estava iluminando o mundo e ajudando, com a força de meus argumentos inexpugnáveis, a demolir a Igreja.

Aí, o tempo passa, você cresce, começa a ler, a ter mais acesso a algumas informações e fica em estado de choque quando descobre que certas verdades tidas como absolutas eram na realidade meias-verdades, o que, como sabemos, é um caminho para uma meia-mentira. Quer dizer que o comunismo matou milhões de pessoas em tempos de paz? Que a eugenia era uma ideia de esquerda? Que o MST é uma tropa de assalto? Céus, depois de todas essas decepções só me faltava descobrir que o Tribunal da Inquisição não era uma ante-sala da carnificina ardentemente esperada por monges sádicos para queimar aos que não rezassem pela cartilha do Papa!

E não era mesmo.

Só faltava descobrir que a Inquisição foi praticamente imposta à Igreja por reis, imperadores e pelo povo que adorava linchar hereges.

E descobri.

Só me faltavam esfregar na cara a informação de que a Inquisição não foi uma ação da Igreja e sim uma reação.

Esfregaram.

Sei que é difícil acreditar. Mas é exatamente isso. A série que inauguro agora vai clarear um pouco este período nebuloso da História, habilmente manipulado por autores que esconderam fatos, que tentaram, dentro de seu anticlericalismo frenético, transformar a Igreja Católica num Kraken ávido por sangue.

Utilizarei para isso somente opiniões de historiadores, entre eles muitos agnósticos. Claro está que as opiniões também vão contextualizar a época para sabermos o que era comum na Idade Média e como pensavam os “homens de seu tempo”, apesar de não acreditar muito nisso – homens são homens a qualquer tempo e suas escolhas pro bem ou pro mal independem dos séculos.

Esta é primeira parte. Virão outras. É uma viagem a uma parte praticamente desconhecida – e amplamente distorcida – da História.


“A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700, 44674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em “contumácia”, ou seja, pessoas de paradeiro desconhecido ou mortos que em seu lugar se queimavam ou enforcavam bonecos.”

Agostino Borromeo, Universidade La Sapienza.


E quanto ao fato de que a Igreja provocou uma regressão cultural na Idade Média? Responde Will Durant, historiador agnóstico:

“A causa básica da regressão cultural não foi o Cristianismo, mas o barbarismo; não a religião, mas a guerra. O empobrecimento e ruína das cidades, mosteiros, bibliotecas, escolas, tornaram impossível a vida escolar e científica. Talvez a destruição pudesse ter sido pior se a Igreja não tivesse mantido algum ordem na civilização decadente.”


Mas podemos perguntar qual a contribuição da Igreja os anos que antecederam a Inquisição e durante o seu vigor:

“Eis um breve e incompleto elenco das invenções tecnológicas (obras, quase todas, de monges beneditinos) do homem medieval, que, como diz a lenda, vivia na ignorância e na penitência, apenas à espera do fim do mundo: o moinho de água, a serra hidráulica, a pólvora preta, o relógio mecânico, o arado, a relha, o timão, a roda, o jugo para o cavalo, o canal com recusas e portas, a canga múltipla para os bois, a máquina para enovelar a seda, o guindaste, a dobadoura, o tear, o cabrestante complexo, a bússola magnética, os óculos. Acrescentemos a imprensa, o ferro fundido, a técnica de refinação, a utilização do carvão fóssil, a química dos ácidos e das bases, etc. Esse impulso ao conhecimento cien­tífico e tecnológico continuou nos séculos seguintes: no início do século XVII a Europa contava 108 Universidades, enquanto no resto do mun­do não havia uma só... Isto põe um problema para o historiador. Por que é que o desenvolvimento ocorreu somente em área cristã, e não fora desta? Por que, hoje ainda, entre os dez países mais evoluídos e ricos do mundo, nove são de tradição cristã? Não há explicação senão a que já expus em livros dedicados à questão: há na mensagem cristã alguma coisa que leva os germens do desenvolvimento e do progresso. A antropologia da Bíblia exalta o homem e o põe no centro do universo. Além disto, pregando igualdade, ela cria uma sociedade livre, sem barreiras sacrais ou de castas; não há, pois, como se surpreender se, alimentado por tal mensagem, o homem europeu conquistou o mundo... Por que as suas naves lhe permitiam dominar os mares? Por que ele, e ele só, sentiu necessidade de expandir-se sobre a terra inteira, enquanto a África, a Ásia, a América pré-colombiana permaneciam imóveis nos seus confins? Sem esta nossa maravilhosa Europa, o mundo, como o conhecemos, não existiria. Mas não existiria nem mesmo esta Europa recoberta de glórias, sem as suas raízes cristãs e sem os seus monges."

Vittorio Messori, Questo meraviglioso Cristianesimo in cui non riesco a credere (1987).


Acho que é desnecessário dizer que não se quer aqui – e não se fará – livrar a cara da Inquisição. Mas sempre é bom conhecer um pouco mais do que aconteceu. Enfrentar nossas opiniões formadas é uma batalha interessante. Dizia Cazuza: “o pensamento é a guerra civil do ser”. E que é melhor: essa guerra não precisa ter vencedor.