… E damos prosseguimento à peregrinação sobre as heresias medievais. Mais uma vez, fala-se dos cátaros e sobre o que eles pensavam de Deus, uma ideia que muito se aproxima da gnose.
Na Igreja Cátara, qual a diferença entre os Perfeitos e os Crentes?
Os Perfeitos eram isolados das grandes massas dos Crentes por uma elaborada cerimônia de iniciação, ou batismo espiritual, o consolamentum. Havia entre os Perfeitos uma hierarquia de bispos e diáconos, mas estes últimos não tinham o direito exclusivo de administrar os sacramentos.
Afora o consolamentum e a ordenação, os cátaros tinham dois outros sacramentos: a penitência e a quebra do pão. Esta era uma espécie de comunhão, pois não acreditavam na transubstanciação. Os Perfeitos dedicavam-se à contemplação e esperava-se que mantivessem o mais elevado nível moral, cabendo aos Crentes fornecer-lhes alimentos.
Os Crentes não podiam aspirar ao alto nível dos Perfeitos. Por não obedecerem inteiramente à proibição das relações sexuais, por exemplo, eles provocavam aberrações nos relacionamentos, o que constituía motivo para os católicos acusarem-nos de todos os tipos de vícios. Mas é possível que as acusações tenham sido exageradas.
Como os cátaros viam os livros sagrados?
Os cátaros não acreditavam que toda a Bíblia era sagrada. Viam o Velho Testamento com muita reserva e o Novo Testamento foi reinterpretado. A doutrina da reencarnação de Deus era impossível aos cátaros, para os quais Jesus foi um anjo que veio indicar o caminho da salvação, mas não fornecê-lo em pessoa; logo, seus sofrimentos e morte eram uma ilusão.
Qual a doutrina cátara da criação do homem?
Segundo os cátaros, Satã, depois de criar o mundo, decidiu povoá-la e constituir uma milícia para combater o deus-bem. Penetrou no Céu, seduziu alguns anjos e para prendê-los à Terra deu-lhes um corpo. Depois disso, induziu-os ao pecado carnal, ligando-os à condição humana. Do mesmo modo que na doutrina cristã, o homem estaria condenado desde o nascimento, mas, segundo o catarismo, o pecado original era determinado pelo céu.
O que o deus-bem fez para salvar o homem?
Compadecido de seus anjos encadeados na terra, o deus-bem enviou um anjo voluntário como emissário, que se tornou o Filho de Deus. O corpo mortal de Cristo foi apenas uma aparência, visto que uma emanação do Bem não pode ter contato com a matéria, obra impura do deus-mal. Em sua paixão, o Filho de Deus tirou este invólucro carnal e assistiu, invisível, ao seu sacrifício.
Então segundo os cátaros, Jeová, o Deus dos judeus, era o deus-mal?
Sim. Foi Jeová, por intermédio dos judeus, se propôs em vão a supliciar e matar Cristo, enviado do deus-bem. Aos anjos decaídos Cristo levara os meios e o conhecimento para libertarem-se, graças ao Evangelho.
Quais as consequências dessa teoria?
Em primeiro lugar, como já foi dito acima, a negação do Velho Testamento. O encargo de Cristo foi uma simples missão num mundo satânico, sendo negadas a encarnação, paíxão e a ressurreição. O homem não foi criado à imagem de Deus, mas pelo demônio. Daí o ódio dos cátaros pela cruz e pelo sinal da cruz que se relacionam aos sofrimentos de Cristo e o ligam à matéria impura.
Os cátaros acreditavam em inferno?
Nem em inferno nem em purgatório, pois o impuro não poderia se aproximar do deus-bem e penetrar no reino supraterrestre. A purificação da alma deveria ser feita na Terra. Esta teoria, que salvava definitivamente todas as almas, abolia o inferno e a danação eterna era, de fato, consoladora.
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