quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A BATALHA PELA ESPANHA, de Antony Beevor – Parte 2 de 4

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E continuamos com a história da guerra civil espanhola. Todas as respostas foram tiradas do livro que ilustra o post. Esta é a segunda parte. Ainda faltam duas.

Quais as diferenças entre o falangismo, o nazismo e o fascismo?

O falangismo diferia do nazismo e do fascismo em sua natureza profundamente conservadora. Mussolini usava símbolos romanos e imagens imperiais em seus discursos apenas pelo efeito propagandístico. A Falange, pelo contrário, usava fraseologia moderna e revolucionária mas permanecia fundamentalmente reacionária. A Igreja era a essência da Hispanidad. O novo Estado “se inspiraria no espírito da religião católica que é tradição na Espanha.” Os seus símbolos eram os de Fernão e Isabel: o jugo do Estado autoritário e as flechas da aniquilação para acabar com a heresia. Não só pegaram emprestados os símbolos como tentaram reviver a mentalidade castelhana. O falangista ideal era imaginado como “meio monge, meio soldado”. A exemplo do que já foi dito na série “Fascismo de esquerda” em relação ao nazismo e ao fascismo, os falangistas também possuíam aspectos socialistas. Alguns falangistas atacavam a “falência social do capitalismo” e denunciavam as condições de vida dos operários e camponeses, mas consideravam o marxismo repugnante como ideologia por não ser espanhol e porque a luta de classes enfraquecia a nação. O país tinha que estar fortemente unido num sistema no qual o empregador não pudesse explorar o empregado.

Houve por parte do Comintern alguma preocupação em ocultar a revolução que estaria em marcha na Espanha?

Sim. Por incrível que pareça, os defensores mais loquazes da propriedade não eram os republicanos liberais, mas o Partido Comunista e seu ramo catalão, o PSUC. Ambos seguiam a linha do Comintern de ocultar a revolução. La Pasionária (cujo bordão “No pasarán” é um plágio de uma fala de Petain) e outros membros do seu comitê central negaram enfaticamente que algum tipo de revolução estivesse acontecendo na Espanha e defenderam com todo vigor empresários e pequenos proprietários. Isso numa época em que camponeses ricos ou cúlaques morriam nos Gulags. O Comintern, sem admitir de modo algum uma contradição tão flagrante, registrou as palavras de ordem comunistas recomendadas para a região rural nos arredores de Valência: “Respeitamos os que querem trabalhar em sua terra como um coletivo, mas também pedimos respeito por aqueles que querem cultivar a sua terra individualmente” e “Oprimir os interesses dos pequenos fazendeiros é oprimir os pais de nossos soldados”. Essa postura anrirrevolucionária receitada por Moscou levou em grande número elementos da classe média para as fileiras comunistas.

Por que Mussolini torcia pela criação de um estado fascista no Mediterrâneo?

Não é  que ele só torcesse por isso. A verdade é que ele mal podia esperar por isso, sobretudo um estado que estaria em dívida com ele. Sua grande ambição era rivalizar com o poderio naval britânico e desafiar os franceses no norte da África. O aliado espanhol poderia controlar os estreitos tomando Gibraltar e permitir a possibilidade de bases nas Ilhas Baleares, mas sua frota provavelmente não rivalizaria com a dele. A conquista da Abissínia por Mussolini aumentara muito suas ilusões sobre o poderio italiano.

Por que Hitler ajudou Franco?

Por razões estratégicas. Uma Espanha fascista seria uma ameaça à retaguarda da França, assim como à rota britânica para o Canal de Suez. Havia até a possibilidade tentadora de bases de submarinos no litoral atlântico (De vez em quando os portos espanhóis de Vigo, El Ferrol, Cádiz e Las Palmas foram usados durante a Segunda Guerra Mundial.) A guerra civil serviu também para desviar a atenção de sua estratégia centro-europeia, ao mesmo tempo em que constituía uma oportunidade de treinar os homens e experimentar táticas e equipamento.

O papel das Brigadas Internacionais foi superdimensionado?

Sim. A história das Brigadas foi distorcida de várias formas não só devido à  propaganda que exagerou seu papel de forma desproporcional em relação às formações espanholas; surgiu a impressão, principalmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, de que eram compostas de intelectuais de classe média e “Beau Gestes” ideológicos mortos em ação. Na verdade, quase 80% dos voluntários da Grã-Bretanha eram trabalhadores braçais que largaram o emprego ou estavam desempregados. Alguns ficaram contentes de fugir da apatia do desemprego; outros já vinham combatendo fascistas em lutas de rua. Mas a maioria tinha pouca noção do que realmente significava a guerra.

Os nacionalistas se aproveitaram do medo do comunismo?

Sim. Eles afirmavam representar a causa do cristianismo, da ordem e da civilização ocidental contra o “comunismo asiático”. Para reforçar essa versão dos fatos, alegavam, com base em documentos forjados, que os comunistas tinham planejado uma revolução com 150 mil soldados em tropas de choque e 100 mil na reserva em 1936, golpe que o levante nacionalista impedira. Declararam que o resultado das eleições de 1936 não era válido, embora a Ceda e os líderes monarquistas tivessem-no aceitado na época. Concentraram-se em apresentar a vida na zona republicana como um massacre perpétuo de padres, freiras e inocentes, acompanhado da destruição frenética de igrejas e obras de arte. E, para justificar por que não tinham conseguido tomar Madri, afirmaram que meio milhão de comunistas estrangeiros lutavam na Espanha.

Qual era a defesa dos republicanos?

Na verdade, era supersimplificada. Os republicanos alegavam que tinham sido eleitos legalmente em 1936 e depois foram atacados por generais reacionários auxiliados pelas ditaduras do Eixo. Assim, a República representava a causa da democracia, da liberdade e do esclarecimento contra o fascismo. A propaganda estrangeira da República enfatizava que ela era o único governo legal e democrático da Espanha. É claro que isso era verdade, comparado à ilegalidade e do autoritarismo de seus adversários, mas houve ocasiões em que nem os políticos liberais e de centro-esquerda respeitaram sua própria constituição. O levante de outubro de 1934 muito prejudicou a sua causa contra os rebeldes.

Quando os nacionalistas sentiram que estavam perdendo a guerra da propaganda?

Na verdade, vários fatores contribuíram para isso. Primeiro, havia uma diferença fundamental na atitude dos comandos militares adversários no trato com a imprensa. Os nacionalistas costumavam ver jornalistas como espiões potenciais e devam-lhes pouca liberdade de movimento, principalmente caso pudessem testemunhar um episódio de limpeza.

Os terminais telegráficos internacionais estavam em território republicano, e assim os joranlistas daquela zona tinham suas reportagens publicadas primeiro. As notícias da zona nacionalista costumavam chegar desatualizadas.

Os jornalistas também eram afetados pelas emoções da época. Muitos se tornaram defensores fiéis e muitas vezes acríticos da República depois do terrível cerco de Madri. Sua dedicação afetou a cobertura de questões posteriores, como as manobras do Partido Comunista para assumir o controle. Os ideais da causa antifascista anestesiaram muitos deles para aspectos da guerra que se mostraram constrangedores.

Havia também vários tipos de censura e pressão que afetavam as reportagens publicadas em outros países. Iam dos comunicados com tendência propagandística dos encarregados das relações públicas do governo e da censura republicana até os preconceitos políticos ou comerciais do editor.

A primeira parte está aqui.