A quarta parte deste “bate-papo” fala de cinema, aborto, ainda um pouco de eugenia, educação e a guerra cultural.
1. Em 2005, William Bennett, um pró-vida convcto, invocou o argumento de Steven Levitt (“O aborto legalizado levou à diminuição de crimes”) para denunciar o pensamento eugênico e foi execrado pelos liberais. Por que isso aconteceu?
O capítulo em que Levitt trata do aborto em Freakonomics é uma atualização de um artigo que ele escreveu em 1999. Textual: “O aborto legalizado levou à diminuição de filhos indesejados; filhos não desejados cometem mais crimes; o aborto legalizado, portanto, levou a menos crimes”. O problema é que Freakonomics removeu todas as referências à raça e nunca correlacionou os fatos de que, como os fetos abortados são desproporcionalmente negros, e os negros contribuem desproporcionalmente para a taxa de crimes, a redução do tamanho da população negra reduz crimes. A imprensa na época não pareceu se importar, só quando Bennett, um pró-vida, usou o mesmo argumento para denunciar a eugenia.
2. O que Bennett disse?
Ele disse: “Sei que é verdade que, se quiser reduzir os crimes, você poderia – se fosse seu único propósito – abortar todos os bebês negros neste país, e sua taxa de crimes cairia. Isso seria uma coisa impossível, ridícula e moralmente repreensível de se fazer, mas a taxa de crimes cairia.” O que parece haver ofendido os liberais, acima de tudo, foi que Bennett havia acidentalmente tomado emprestada uma lógica convencional de esquerda para afirmar um ponto de vista conservador e, tal como acontecia com os darwinistas sociais de antigamente, isso deixa os liberais bastante aborrecidos. Vários porta-vozes negros disseram que Bennett queira exterminar negros e que era profundamente racista. Ora, trata-se de uma reviravolta espantosa. Afinal, quando os liberais defendem abortos, usualmente dizem que não matam “bebês”, apenas removem um aglomerado de células. Se abortos HIPOTÉTICOS cometidos para fins conservadores são infanticídios, como é possível que abortos reais realizados para fins liberais não o sejam?
3. E o que dizer de Peter Singer?
Singer é considerado o mais importante filósofo vivo e o principal eticista do mundo. Ele leciona em Princeton e argumenta que crianças indesejadas ou inválidas devem ser mortas em nome da “compaixão”. Ele também defende que idosos e outros estorvos sociais devem ser eliminados quando suas vidas não valem a pena ser vividas. Singer é uma das principais vozes da esquerda e mostra que, apesar do Holocausto ter desacreditado a eugenia per se, seus defensores ainda estão vivos e bem influentes.
4. Afinal, os grandes negócios são coisa de direita?
Se são, precisam ser avisados disso. Por que financiam atividades liberais e esquerdistas e se vangloriam disso em comerciais e campanhas de publicidade? Como explicar que não exista praticamente nenhuma questão importante nas guerras culturais – seja o aborto, o casamento de gays ou as ações afirmativas – nas quais os grandes negócios tenham desempenhado um papel relevante do lado da direita americana, enquanto existem dezenas de corporações que apóiam o lado liberal?
5. Uma das razões para escrever este livro?
Furar a bolha da presunçosa autoconfiança de que simplesmente por ser de esquerda alguém é automaticamente virtuoso.
6. Mas os problemas da esquerda no passado não são apenas problemas do passado?
Os problemas da esquerda de hoje se encontram na esquerda de hoje, não há dúvida. A relevância de se falar no passado está em que, diferentemente do conservador que tem lutado com sua história para se certificar de que não vai repeti-la, a esquerda não vê necessidade de fazer nada parecido.
7. O que pode explicar o amor de esquerdistas por homens como Che, Arafat, Castro, Mao?
Isto está ligado claramente à obsessão da esquerda pelos valores fascistas de autenticidade e vontade. É uma inclinação natural por “homens de ação”. A esquerda tem uma queda inerente por homens que “transcendem” a moralidade e a democracia burguesa em nome da justiça social.
8. E quanto à educação progressista?
Ela tem dois pais. A Prússia e John Dewey, guru de Hillary Clinton. O jardim de infância foi transplantado da Prússia para os Estados Unidos no século XIX porque os reformadores americanos estavam totalmente encantados pela ordem e pela doutrinação patriótica que crianças pequenas recebiam fora de casa. Além disso, achavam que era a melhor forma para extirpar traços não americanos dos imigrantes. Para outros progressistas, capturar crianças nas escolas era parte de um esforço maior para quebrar a espinha dorsal da família nuclear, a instituição mais resistente à doutrinação política.
9. Que cuidados devemos ter em relação aos nossos filhos?
Tenham cuidado dos engenheiros sociais. Eles querem “criar” um novo tipo de ser humano. Essas novas crianças precisarão aprender a amar a todos como se fossem parte da família, afinal, múltiplos vínculos se tornarão o ideal. Timidez e vínculo materno exclusivo parecerão disfuncionais. Querem desenvolver novos tratamentos para crianças com vínculos maternos excessivos. Por tratamento entenda-se propaganda, que já fazem parte de alguns livros adotados em escolas progressistas como “Mamãe, vá embora!”. A boa criança será aquela mais ligada “a “comunidade” e menos ligadas a seus pais.
10. Os liberais se preocupam basicamente com o quê?
Com a cultura. Ou melhor, com a imposição de cultura. Durante a década de 1990, por exemplo, o liberalismo mergulhou de cabeça no negócio de formação de cultura, desde a política de significado de Hillary Clinton até critérios de desempenho adaptados às características de gênero nos esportes universitários, a presença de gays nas Forças Armadas e a guerra ao cigarro. Em 2007, para se ter uma ideia, uma creche progressista em Seattle proibiu o uso do Lego porque, com aquele brinquedo, “as crianças estavam construindo suas suposições a respeito da propriedade e do poder social que ela propicia, suposições que espelhavam as de uma sociedade capitalista baseada em classes – e que nós, professores, acreditamos ser uma sociedade injusta e opressiva”. Em lugar disso, criaram uma brincadeira que refletia os padrões moralmente superiores de “coletividade”.
11. Qual a lógica fundamental dos julgamentos da Suprema Corte em relação ao aborto?
Por incrível que pareça esta lógica não está baseada no “direito de escolha”, mas sobretudo na ideia de que religião e moralidade religiosamente informada não têm nenhum lugar nas questões públicas. Este é um dos aspectos da guerra cultural. Ela chegou à Suprema Corte.
12. A guerra cultural busca cercear a religião?
Exatamente. Em 1995, a Corte de Apelação do Nono Circuito decidiu que o “direito de morrer” não poderia ser constrangido simplesmente “para satisfazer aos preceitos morais ou religiosos de uma parte da população.” Não importa que as raízes de leis contra assasinato, perjúrio e roubos brotem diretamente daqueles preceitos religiosos.
13. De onde vem esse conceito de guerra cultural?
O termo vem do alemão Kulturkampf. A esquerda usa este termo para se referir aos supostos esforços da direita para demonizá-la e impor seus valores ao resto do país. Os matizes germânicos servem para evocar um parelelo com Hitler. Mas a Kulturkampf original não foi uma ação repressiva da direita contra dissidentes liberais ou minorias em perigo, mas um ataque da esquerda contra as forças do tradicionalismo e do conservadorismo. Ostensivamente, a Kulturkampf foi uma guerra contra os católicos alemães, absorvidos, pela primeira vez, na Grande Alemanha. Bismarck temia que eles pudessem não ser suficientemente leais a uma Alemanha liderada pela Prússia e, mais pragmaticamente ainda queria evitar a formação de um partido católico alemão.
14. E nos Estados Unidos?
De maneira semelhante, a Kulturkampf americana da década de 1960 começou não com os hippies, a Guerra do Vietnã ou mesmo os direitos civis. De forma adequada a uma tentativa de abrir o caminho para uma nova religião política, ela começa com o esforço de abolir as preces das escolas.
15. Vamos falar um pouco de cinema.
Hollywood é a mais poderosa agência de propaganda de facto na história humana. É possível defender todos os filmes que citarei aqui, no sentido que representam progressos no desdobramento da civilização ocidental de liberdade – e também são um bom divertimento. Mas o fato é que o fascismo garante sucesso de bilheteria, e os conservadores, com poucas exceções, são impotentes para combatê-los, porque nem ao menos sabem o que estão vendo. Os liberais, por sua vez, são rápidos em rotular de fascista qualquer “glorificação” da guerra ou de batalhas, mas estão celebrando o tempo todo o niilismo e o relativismo em nome da liberdade e da rebelião inviduais.
16. “Beleza americana”.
Kevin Spacey é Lester Burnham, um profissional burguês, casado com uma profissional burguesa e com uma filha convenientemente alienada. A vida de Lester dá uma guinada quando ele fica obcecado sexualmente por uma amiga de sua filha. Ele joga tudo pro alto, começa uma campanha de autoaperfeiçoamento que envolve uma obsessão narcísica com o corpo, dando um piparote em todas as convenções sociais e cedendo à todos os desejos num desafio à razão. Esse tipo de coisa, onde a pessoa “real” é encontrada não na cabeça, mas entre as pernas, parece passar por alta sabedoria em Hollywood.
17. “Forrest Gump”.
Um homem branco retardado é a única força moral confiável durante o caos das décadas de 1960 e 1970. O que redime o homem branco, aqui, é a sua anormalidade.
18. “Melhor é impossivel”.
Jack Nicholson é um tipo preconceituoso e virulento até que começa a tomar potentes drogas psicotrópicas, que de fato o curam de seu “branquismo” (Adorno poderia chamá-las de pílulas antifascismo) e o tornam tolerantes com gays e negros e capaz de amar.
19. “Sociedade dos poetas mortos”.
Hitler teria aplaudido de pé. O filme começa com estudantes aprendendo poesia de acordo com uma fórmula, traçando sua “perfeição”. É quase possível ouvir Hitler denunciando essa maneira “judia” de medir a arte. Então chega o sr. Keating e diz para os estudantes arrancarem estas páginas do livro. Keating os encoraja a violentar a convenção e exorta-os a subir na mesa do professor, numa exibição simultânea de superioridade e desprezo pelos papéis tradicionais. Um dos alunos, Todd, está com medo das novas abordagens de Keating que, então, de maneira intimidante, convoca-o a soltar o seu “brado bárbaro”. Keating encoraja seus pupilos a “aproveitarem o dia”, num glorioso culto da ação. Seguindo seus ensinamentos, os estudantes verdadeiramente “livres” criam uma sociedade secreta na qual adotam nomes pagãos e que se reúne numa velha caverna para tirar a “essência da vida”, criar novos deuses e ler poesias românticas. Neil, outro estudante, é despertado pelo sr. Keating e se rebela contra a pressão do pai burguês que quer que ele se torne médico. Ele quer viver uma vida de paixão como ator e quando o pai o proíbe, ele se mata para não se curvar – um final semelhante a Der König, peça favorita de Hitler, que a assistiu 17 vezes em três anos. Neil é representado como um Cristo, a despeito de seu egoísmo. A morte de Neil sacode a escola. Arriscam-se a ser expulsos se procurarem o sr. Keating, mas não resistem ao seu carisma. Desafiam o novo professor. Esses belos super-homens, unidos em suas vontades, buscam seu “capitão”, afastando-se da autoridade tradicional. Só faltaram mesmo as saudações nazistas.
20. “Matrix”.
É uma alegoria totalmente fascista com alguns traços marxistas. Keanu Reeves representa um burguês aprisionado numa vida de cubículo. Seu codinome Neo não apenas representa seu verdadeiro nome no partido (é como se fosse), mas também resume seu status como um Novo Homem, um Übermensch que pode dobrar o mundo à sua vontade e, em algum momento, pode até voar. A falsidade de seu estilo de vida lhe é revelada quando desperta de um sonho e compreende que o que pensava ser a sua vida real era uma prisão, uma jaula onde forças parasitas e manipuladoras literalmente viviam à sua custa. Em vez de judeus sanguessugas, o inimigo é o que os seguidores da Nova Era nos séculos XIX e XX chamavam de a Engrenagem ou das System. Depois disso, ele se junta a uma sociedade secreta pagã, onde os únicos vestígios autênticos da Humanidade vivem numa glória dionisíaca no ventre morno da Mãe Terra, totalmente dedicados à salvação dos poucos que vale a pena salvar dentre seus irmãos entorpecidos. Homens brancos desbotados, vestidos em ternos escuros, rejeitam a autenticidade da vida humana em nome de uma lógica fria e de prioridades mecânicas. São literalmente desenraizados, não meramente inclinados a abstrações, mas abstrações reais. Parece haver poucos deles, mas estão em toda a parte; podem tomar forma humana e operar qualquer coisa. Em suma, são versões em quadrinhos de tudo o que os nazistas diziam a respeito dos judeus.
É importante reconhecer que estamos falando não tanto da cultura de esquerda ou da cultura liberal, mas da cultura americana. Em muitos aspectos, o vício de Hollywood com a estética fascista não é ideológico. Gladiador usou imagens fascistas porque aquela era a melhor forma de contar a história. Só porque estou apontando temas fascistas nesses filmes, não quer dizer que sejam ruins. Não há como negar também que os conservadores estão dispostos a acolher filmes fascistas se eles vêm da direita. Muitos conservadores gostaram de Coração valente, porque exibia a resistência à tirania e celebravam a “liberdade”. Mas a “liberdade” desses filmes não era tanto a liberdade per se, mas a liberdade da tribo de se comportar de acordo com seus próprios valores relativistas. Os clãs das terras altas da Escócia dificilmente eram repúblicas constitucionais. Outro exemplo semelhante está no filme 300. Os espartanos eram uma casta eugênica e vagamente homoerótica de guerreiros que teria levado Hitler a apaludir de pé, a despeito dos esforços de Hollywood para americanizá-los.
Com isso concluímos a 4ª parte. Em breve a quinta e última parte.