sábado, 27 de fevereiro de 2010

A BATALHA PELA ESPANHA, de Antony Beevor – Parte final

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Última parte sobre a série de posts baseada no livro de Antony Beevor sobre a Guerra Civil Espanhola, o campo de testes de nazistas e comunistas para a Segunda Guerra Mundial.

Qual a linha do Comintern durante a guerra?

Seus integrantes diziam que a ajuda soviética à Espanha republicana visava salvaguardar a democracia e insistia que o governo seguisse a estratégia da frente popular que ajudava os camponeses proprietários de terra e atraía as classes médias. Na verdade, Stálin estava interessado em evitar quaisquer embaraços à sua política externa, que, de um lado, evitava provocar a Alemanha nazista e, de outro, buscava reaproximar-se da Grã-Bretanha e da França. Era preciso manter a república parlamentarista “para que impedir os inimigos da Espanha a vejam como uma “república comunista”.

As Brigadas Internacionais tiveram problemas internos?

Vários. Entre eles podemos citar a irritação com a existência de “campos de reeducação” administrados por oficiais soviéticos e guardados por comunistas espanhóis armados com os fuzis automáticos mais modernos. Outro ponto era que jamais se mencionava aos voluntários o tempo de serviço – e assim eles julgavam que estavam livres depois de determinado tempo. Mas seus passaportes foram tomados no ato do alistamento.

Os líderes das brigadas, alarmadíssimos com a possibilidade de as histórias de descontentamento chegarem até seus países de origem, impuseram medidas cada vez mais duras. Cartas eram censuradas e quem criticasse a competência dos líderes do Partido enfrentava o campo de prisioneiros e até pelotões de fuzilamento (o habitat natural dos comunistas). As licenças eram canceladas e alguns voluntários que, sem autorização, tiraram alguns dias que lhes deviam foram fuzilados por deserção ao voltarem à sua unidade. A sensação de terem sido enganados por uma organização pela qual tinham perdido afinidade fez até alguns voluntários se passarem para o lado nacionalista. Outros tentaram artifícios pouco originais, como disparar uma bala no próprio pé quando limpavam o fuzil.

A maioria, ao perceber que havia sido enganada, ofendeu-se com o insulto à sua inteligência. Tiveram que segurar a língua para evitar as atenções do Partido. Depois, ao voltarem para casa, costumavam ficar em silêncio para não prejudicar a causa republicana como um todo. Os que falaram, como George Orwell, viram fechadas as portas dos editores de esquerda.

É verdade que os republicanos chegaram a comprar armas dos nazistas?

Sim. Mesmo durante a Guerra Civil a República comprou armas da Alemanha nazista, aliada mais importante do general Franco. Hoje, pesquisas recentes mostraram ser verdade o que havia muito se suspeitava: o general Hermann Goering, ministro-presidente da Prússia e comandante-em-chefe da Luftwaffe, vendia armas à República enquanto os seus próprios homens lutavam por Franco.

Há algum paralelismo entre o regime de Franco e o comunismo?

Claro que há. Fascismo e comunismo são irmãos gêmeos e qualquer pessoa com um mínimo de estudo nessa área pode afirmar isso. Mas não deixa de ser um paradoxo: Franco queria acabar com a ameaça vermelha em seu país e seu período de governo foi recheado de atitudes que fariam Stálin aplaudi-lo de pé. Nada demais para quem admirava Hitler, diga-se de passagem. Os anticomunistas estatizaram a rede ferroviária que teve resultados pífios devido à péssima administração. Os programas de estatização de Franco, segundo alguns comentaristas foram bem parecidos com os dos Estados-satélite sovíeticos depois de 1945.

Outro paralelo foi o medo obsessivo de contágio ideológico estrangeiro. Enquanto a maioria dos principais assessores soviéticos que voltaram da Espanha foram forçados pelo NKVD a confessar contatos traiçoeiros no exterior e depois fuzilados, na Espanha nacionalista a retórica exigiu uma cirurgia drástica para salvar o organismo político. O adido de imprensa de Franco, conde de Alba y Yeltes, disse a um inglês durante a guerra que tinham que livrar a Espanha do vírus do bolchevismo, se necessário pela eliminação de um terço da população masculina espanhola. Agora que os nacionalistas tinham quase todos os republicanos prisioneiros em seu poder, podiam dedicar-se à sua limpeza cuidadosa da Espanha.

Se a República tivesse ganhado, quantos teriam sido executados e morreriam nos campos de prisioneiros?

É uma pergunta impossível de se responder. Como destacaram vários historiadores, o vencedor numa guerra civil sempre mata mais que o perdedor. Tudo depende do regime republicano que viria a surgir. Se fosse um regime comunista, então, a julgar por outras ditaduras comunistas, o número seria bem alto, devido à natureza paranóica do sistema. Mas na Espanha muito também dependeria de ser uma versão stalinista ou uma variedade mais espanhola, que talvez evoluísse.

Pode-se dizer então que a Guerra Civil Espanhola foi um campo de testes para armamentos e táticas que seriam usadas na Segunda Guerra Mundial?

Isso o governo nazista reconheceu desde o princípio. O Exército Vermelho também viu a oportunidade, mas, devido à ortodoxia militar stalinista depois da execução do marechal Tukhatchevski, não pôde aproveitá-la muito. A Legião Condor da Luftwaffe, pelo contrário, foi meticulosa em seus relatórios sobre os efeitos dos novos sistemas de armas.

O que gerou a política de não-intervenção de inspiração britânica?

Para os republicanos, uma grande paixão e ofensa moral. Parecia impensável que um governo legitimamente eleito de um país não pudesse comprar armas para se defender. Também há poucas dúvidas sobre a hipocrisia de manter uma política que manifestamente não funcionava, enquanto o comitê em Londres, que incluía as três principais potências intervencionistas – Alemanha, Itália e União Soviética -, fingia o contrário. É compreensível que a raiva maior tenha sido reservada ao governo britânico, que, mesmo não tendo proposto oficialmente o plano de não intervenção, era com toda certeza a principal força por trás dele. Dois primeiros-ministros, Chamberlain e Baldwin, e dois secretários do Exterior, Eden e Halifax, costumam ser acusados de participar de uma trama conservadora para dar apoio a Franco. Embora extremamente plausível, considerando suas amizades e preferências pessoais, ao que tudo indica essa é uma distorção da verdade.

O que uma vitória republicana produziria? Um governo liberal de esquerda ou regime comunista linha-dura?

Havia a determinação comunista de eliminar aliados de esquerda assim que a guerra fosse vencida contra a direita. A luta contra os anarquistas – que fizeram um governo relativamente bom na Catalunha – seria inevitável. O Pravda declarou que “a limpeza de elementos trotskistas e anarcossindicalistas será realizada com a mesma energia que na União Soviética”. A estratégia da Frente Popular era apenas para “o momento”. Os stalinistas, pela própria natureza de sua ideologia, não se dispunham a dividir o poder com mais ninguém a longo prazo. É presumível que um governo democrático recebesse ajuda do Plano Marshall depois da Segunda Guerra. Então uma economia razoavelmente livre, quase com certeza, recuperaria o país a partir dos anos 50, já que o período pós-guerra seria desesperador fosse qual fosse o resultado da Guerra Civil. Com um governo esquerdista autoritário, talvez abertamente comunista, a Espanha seria um Estado semelhante às repúblicas ditas populares do centro da Europa ou dos Bálcãs até depois de 1989.

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Parte 3